Por que as empresas deveriam contratar mais PCDs?

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Eu acredito em um mundo melhor. Por mais clichê que possa soar essa frase, eu vejo o limiar de uma nova era assomando no horizonte. Uma era em que o capitalismo deixa de ser selvagem e passa a ser colaborativo e consciente. Ou seja: eu contribuo com você, você contribui comigo, e ambos nos alavancamos de uma maneira que não poderíamos fazer sozinhos. Quão bom isso poderia ser? E quão aplicável isso é nas circunstâncias atuais?

É inegável que o mundo tem progredido em vários aspectos. A despeito da eterna ladainha dos pessimistas, vemos avanços nas áreas de tecnologia, ciência, educação e muitas outras. Essas mudanças estendem-se à sociedade como um todo: a mentalidade das pessoas e a forma de desenvolvimento dos negócios têm mudado radicalmente. E isso inclui os debates que têm sido travados sobre a inclusão de PCDs e a representatividade das minorias no mercado de trabalho. Percebe-se um olhar diferenciado sobre o assunto, porém, ainda eivado de alguns equívocos.

Desse ponto de vista, eu gostaria de lançar uma nova luz sobre o tema: por que as empresas deveriam contratar mais PCDs, especialmente em cargos de gestão? Aliás, aprimorando ainda mais essa questão: por que as empresas deveriam apostar em diversidade e inclusão como estratégia para alavancar seus negócios? Há vários motivos que valem a pena ser citados, e várias pesquisas comprovam que a diversidade de pessoas gera imensos benefícios para a organização. Sobre isso, há diversos artigos no LinkedIn. Porém, sendo eu mesma uma PCD, eu gostaria de ressaltar pontos específicos sobre isso, que talvez não tenham sido olhados antes.

Sabe-se que pessoas que vêm do mesmo meio social, dividem a mesma cultura e têm a mesma educação pensam e agem de forma similar. Este é o motivo pelo qual, quando vamos a outros países, percebemos detalhes que nem tínhamos nos dado conta de que existiam. Nossa forma de ver o mundo é moldada pela cultura, ambiente, família e amigos. Somente quando saímos do lugar comum é que começamos a questionar o que muitas vezes nem notávamos antes. Assim é um PCD em uma organização: por ter vivido em um contexto diferente, ele pode questionar fatos, ações e formas de agir que passam despercebidos à maioria. Essa visão diferenciada pode ser um grande trunfo para a empresa.

Além disso, justamente por ter algum dos sentidos faltando, um PCD geralmente desenvolve outras habilidades e/ou sentidos para compensar. E isso pode ser o diferencial que faltava na visão de negócios da empresa, a diferença entre o sucesso e o fracasso de um produto ou negociação. Um PCD pode ser alguém capaz de ver completamente fora da caixa, pensar criativamente e criar soluções inovadoras que outros nem sequer cogitariam.

Vamos exemplificar isso em termos práticos. Pense, por exemplo, em uma pessoa com deficiência auditiva (meu caso). Muitos deficientes auditivos estudaram em escolas regulares, nas quais tinham que acompanhar as aulas por meio de leitura labial. Como nem sempre era possível entender tudo que era dito, muitos recorriam aos livros para estudar. Eu mesma fui (sou) uma leitora voraz. O resultado? Uma proficiência em português muito maior do que a média, o que os torna ótimos redatores, revisores, analistas de comunicação e por aí vai. Eles podem escrever criativamente, de forma natural, e ver rapidamente os erros de escrita que outros não veem. A necessidade, nesse caso, forjou uma habilidade.

Deficientes auditivos também costumam ter uma percepção visual muito melhor do que a de pessoas ouvintes. Em uma negociação, estão mais atentos a detalhes que passam despercebidos: o que a linguagem corporal de determinada pessoa diz sobre ela? O que sua expressão facial comunica? Ela está mentindo? Um deficiente auditivo é um verdadeiro agente do FBI infiltrado! Piadas à parte: quão valioso seria para a empresa ter um profissional formado em uma área e com competências em outra?

Que tipo de opinião uma pessoa cega ou com baixa visão poderia dar sobre a textura, o aroma e o sabor de um produto alimentício? Baseados em suas necessidades, um deficiente visual, auditivo ou um cadeirante poderiam ser parceiros valiosos em projetos de tecnologias assistivas. Um designer cadeirante poderia se atentar a detalhes de um projeto que um não-cadeirante não pensou. Uma pessoa com mobilidade reduzida pode pensar melhor nos detalhes de um evento do que uma pessoa com mobilidade normal. Ou seja: em um trabalho em equipe, como a percepção de uma pessoa fora do padrão poderia alavancar um projeto?

Isso não quer dizer que as pessoas com deficiência deveriam limitar-se às atividades que tenham alguma relação com sua deficiência. O foco não é restrição, é ampliação: em vez de focar no que um PCD não pode fazer, por que não focar em habilidades que ele possa ter desenvolvido e nos seus pontos fortes? Uma pessoa com deficiência não é apenas uma pessoa com deficiência: é uma pessoa, com interesses, capacidades, gostos e habilidades únicas. Por que não ver o que as pessoas poderiam agregar de forma única e individual, em vez de ver o que lhes falta? Isso vale não só para PCDs, mas para todas as pessoas. Este é um bom modo de ver a vida: focar nas qualidades, e não nas falhas.

A cultura do vitimismo corporativo precisa acabar: a empresa não está fazendo nenhum favor ao contratar um PCD. Pelo contrário, ela poderá ter benefícios que nem imaginava. E os PCDs precisam assumir seu poder, parar de reclamar que as empresas não lhes dão oportunidades e começar a mostrar seu diferencial, seus pontos fortes e suas habilidades, que muitas vezes são maiores do que eles imaginam.

Vamos criar um mundo melhor juntos? Passou da hora de tirar este clichê do papel.

Texto por Marcela Jahjah.

Marcela é uma livre-pensadora, artífice das palavras. Como analista de comunicação, redatora e tradutora, acredita que pensar fora da caixa e desafiar os paradigmas vigentes é a estratégia mais eficiente de comunicação.

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