Gastos de 20 mil, xixi 'controlado' e ajuda de estrelas: como Laís Souza mantém a esperança de voltar a andar
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Enquanto as mãos esboçam uma movimentação mínima de
ondulação no exercício de remada, seus olhos fecham no esforço para manter
aquele “balanço” até que o fisioterapeuta Robson Lopes dê o sinal de descanso.
O movimento pode parecer ínfimo para quem passou a infância e boa parte da
juventude entre piruetas e saltos na ginástica artística, mas, hoje, cada
avanço é uma conquista.
Lais no exercício
Foto: BBCBrasil.com
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“Tenho noção do que é o real, mas continuo com meus
sonhos, com a minha esperança de correr atrás, de tentar conseguir recuperar um
movimento, nem que seja do braço, qualquer coisa”, diz à BBC Brasil.
Laís perdeu todos os movimentos do pescoço para baixo no
acidente de 2014 por conta de uma lesão na coluna cervical C3. E, apesar das
poucas “certezas” que a medicina traz para o seu caso, ela se mantém firme na
esperança de voltar a se mexer.
“Não quero me adaptar à cadeira de rodas de jeito
nenhum. Quero fazer o contrário: sair dela.”
Adaptação e gastos
É para isso que Laís vai todos os dias à fisioterapia,
até mesmo quando está fora de Ribeirão Preto. E é por isso que a ex-ginasta
hoje se desdobra, fazendo eventos e palestras em todo o país, na tentativa de arcar
com os altos custos de sua nova realidade, que ultrapassam R$ 20 mil por mês.
Um simples xixi, por exemplo, custa para Laís R$ 3,20 –
preço da sonda que ela usa para isso -, o que faz com que ela tente “controlar”
suas idas ao banheiro para não que ultrapassem seis por dia.
“É bem caro. Tem desde (gastos com) sonda pra fazer
xixi e cocô, os remédios, mais as pessoas que me cuidam – isso é a parte mais
cara. Algumas viagens que eu tenho de fazer para os tratamentos, fisioterapia,
faculdade…”, diz
“Uso de cinco a seis sondas no dia. Se eu for a
um happy hour , por exemplo, eu vou dar PT (perda total, gíria
para quando se bebe demais)”, brinca. “Em geral, a cada quatro horas, devo usar
uma sonda. Mas fico me policiando e atenta ao momento do xixi, porque você tem
de encontrar um banheiro adaptado, um banheiro limpo e não encontra…”
A falta de banheiros adaptados e os altos custos da vida
na cadeira de rodas foram algumas dificuldades que Laís Souza encontrou desde
que retornou ao Brasil, após ter passado seis meses em um hospital nos Estados
Unidos. Foi na volta para casa que ela se deparou com os primeiros obstáculos
de sua nova realidade, que iam muito além de calçadas esburacadas e da escassez
de rampas.
“Cheguei aqui e eu não entrava em casa. A cadeira não
passava”, contou. A ex-ginasta teve de passar um tempo na casa do irmão até
conseguir um apartamento adaptado para ela.
Foi preciso pouco tempo, aliás, para Laís perceber que
a vida “adaptada” no Brasil para uma pessoa com deficiência custaria bem caro –
para bancar tudo, precisou contar com a ajuda de bastante gente.
“É difícil (conseguir pagar tudo). Mas tenho vários
anjos na minha vida. Hoje, tenho um patrocinador, que me ajuda bastante. Tenho
também uma ajuda do governo, que uso toda com remédios. E tem o (jogador de
futebol) Neymar, que me ajuda com minha moradia em São Paulo, a clínica a que
vou me ajuda também. O cavaleiro Doda Miranda me ajudou muito no início
também.”
A pensão por invalidez que ela recebe do governo
federal é de pouco mais de R$ 4 mil, que gasta com os pelo menos cinco remédios
que toma por dia. Os gastos estão por toda parte: desde os cuidadores, que a
ajudam a fazer tudo todos os dias (são dois), a faculdade, as despesas com
tratamento e fisioterapia, até a própria cadeira que a leva e traz de todos os
lugares.
“Só a cadeira custou R$ 23 mil. A roda dela é como se
fosse uma roda de carro, é bem cara. Quando fura, tento trocar a câmara de
dentro, mas, se machucar o pneu, tem de trocar, igual a de um carro.”
Tudo isso não é luxo para Laís – é o básico que ela
precisa para continuar vivendo. “Minha deficiência é muito grande. Se for em
qualquer carro, eu não consigo ir, se for uma calçada com buraco gigante, a
gente tem que fazer alguma coisa para driblar o buraco. Então, a adaptação
continua bem difícil.”
Recuperação
A “adaptação” de Laís à nova vida começou ainda quando
acordou no hospital com a notícia de que “dificilmente conseguiria respirar
sozinha novamente”, conforme um dos médicos disse à sua mãe. Ela conseguiu –
teve de reaprender a fazer isso, assim como a falar, depois de ter passado
meses em silêncio.
Hoje, ela tem uma dicção perfeita, mantém o mesmo
otimismo de antes – mesmo admitindo ter dias ruins de vez em quando – e usa a
cabeça para apontar as coisas que quer ou precisa. Quando um fio do cabelo
insistiu em repousar no seu olho, ela fez sinais com o pescoço e pediu para um
de seus ajudantes, Willian Campi, retirá-lo. Quando teve sede, apontou para a
salinha do filtro e disse: “Vamos tomar água?”.
A vida de Laís agora é assim: sempre pedindo coisas
para alguém. Isso já a incomodou muito, assim como as despesas a pagar às vezes
pesam, e o desânimo por não poder sequer mover sua própria cadeira toma conta
dela.
“Não gosto de ficar pedindo as coisas sempre. Quando
tinha de comer, eu pedia para alguém. Aí, nada vinha do jeito que queria,
porque era uma outra pessoa que estava fazendo. Mas, agora, já aprendi o jeito
de falar, o jeito de mostrar, de fazer”, diz.
“Fui de muito movimento extremo para nada de movimento.
Esse tempo de adaptação, de hospital, foi muito difícil, mas até hoje continua.
Não conseguia entender. Porque não me sobrou nem um dedo (que se movimenta).
Isso não entrava na minha cabeça. Até que eu fui entendendo. Parei de me
perguntar o porquê e fui viver.”
Ainda assim, três anos após o acidente, Laís se vê como
uma mulher de sorte. “Recebo muitas mensagens de gente em situação muito pior
que a minha. Quero fazer de tudo pra ajudar essas pessoas. Só que, por mais que
eu tenha a estrutura que tenho hoje, ainda me falta. Imagina pra eles.”
Evolução
Aos poucos, Laís tem conseguido evoluções na
fisioterapia. Durante os exercícios, dá para ver o cansaço em seu olhar, mas
ela não para. Neste ano, a ex-ginasta conseguiu pela primeira vez ficar sentada
no chão com o apoio das próprias mãos. Ficar em pé com o auxílio de um
equipamento também foi mais uma conquista recente.
Com a ajuda dos fisioterapeutas, ela é erguida do sofá
e se mantém ereta para o próximo exercício: algumas cabeçadas de um lado para o
outro na bola que despertam a sensação de estar livre da cadeira por alguns
segundos. Laís chegou até a “dar uma volta” de pé pela sala sendo conduzida por
Robson.
“Fico muito feliz quando consigo alguma coisa na
fisioterapia. Só que sou muito exigente. Enquanto não tiver um movimento real,
não vou ficar satisfeita. Acho que talvez seja por isso que não paro. Venho
tentando me esforçar, treinar para caramba pra sair (da cadeira). Porque,
depois da primeira vez que eu mexer essa mão, vou fazer várias coisas”, diz,
soltando um riso de ansiedade por esse momento.
“Aliás, agora mesmo, a gente está aqui conversando, e
eu estou achando que minha mão está mexendo. Ela não está. Mas a sensação é de
que está.”
O otimismo de Laís, por enquanto, vem menos de um
prognóstico concreto e mais da sua determinação em mudar sua realidade. Ela vai
ao médico três vezes ao ano e acompanha constantemente os avanços da medicina
para reverter quadros como o dela, mas, nas atitudes mais simples, mantém seu
pensamento em colocar em prática aquilo que já está gravado em uma tatuagem no
seu braço: levantar da cadeira.
“Primeiro, acordo, e aí tento mexer meu braço. Ele não
mexe. Mas aí coloco uma música e já começo o dia diferente. Já vou deixar um
chinelinho do lado da cama para quando eu levantar.”
Laís começa a sessão de fisioterapia com Robson Lopes; de pé, Willian, um de seus cuidadores
Foto: BBCBrasil.com
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Laís fica de pé com ajuda de aparelho
Foto: BBCBrasil.com
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A tatuagem de Laís Souza com uma pessoa
levantando da cadeira de rodas
Fonte: Terra
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Fonte: Ser Lesado
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