Como e quando ensinar o Sistema Braille para a criança com cegueira?

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A construção da alfabetização e o acesso ao Sistema Braille (Foto: Divulgação)
Por: Maria da Graça Corsi*
A resposta a esta pergunta parece resumir uma questão central: a alfabetização.

Existe uma diferença crucial entre a construção da alfabetização e o acesso ao Sistema Braille. Embora estes processos caminhem lado a lado, há uma diferenciação em relação à criança vidente, exposta diariamente a um mundo colorido e repleto de informações visuais, amplamente captadas pela visão, que associadas ao interesse e a curiosidade natural das crianças, colabora com a ampliação de seu vocabulário e formação de imagens mentais que conectadas à função dos objetos, figuras e à relação com o meio favorecem à construção do conhecimento neste mundo letrado. A profusão de palavras, frases, slogans, propicia à vivência, à compreensão e à pseudoleitura, fatores indispensáveis à alfabetização de qualquer criança.

A preocupação dos país e dos professores quanto ao melhor momento para iniciar a alfabetização da criança com cegueira é fator preponderante na questão escolar. Parece que toda experiência pré-escolar perde sua riqueza e significado, frente a estes importantes instrumentos de comunicação: a leitura e a escrita.

A criança com deficiência visual necessita ter experiências variadas e concretizadas por meio de objetos, brincadeiras, jogos, situações do cotidiano e da relação com o outro. Tornando cada uma delas, percebida, sentida e vivenciada na situação real.

É por meio do corpo que se aprende e se conhece o mundo, reconhecido a si mesmo, o outro, os objetos, os ambientes. Portanto, a constituição de corpo e sujeito ocorrerá mediante uma gama de oportunidades favorecidas pela interação com a família, as pessoas ao redor e contextualizadas nas experiências do cotidiano.

A construção de conceitos e sua internalização se dará também pela conceituação e estruturação do esquema corporal, relações temporais e espaciais, coordenação dinâmica global e manual, desenvolvimento das habilidades táteis e cinestésicas, atenção, concentração, memória e raciocínio. A troca entre a família, a professora e as crianças fortalecerá a convivência, a socialização, a ampliação do vocabulário, o respeito, o contato com as regras sociais, a oportunidade de falar; esperar sua vez, de intermediar e agir de maneira positiva e participativa.

Para que as ações se concretizem, é preciso que haja comunicação- maneira encontrada pelo ser humano para transmitir ideias, conceitos, dialogar, discutir. Deste modo, inicia-se muito cedo.

A mãe começa a se comunicar com seu bebê ainda na gestação. Ela acredita que ele a compreende e estimula a ‘conversa’ modulando a voz, aumentando e diminuindo a entonação, cantarola cantigas de ninar e bem querer e acaricia sua barriga. Embora o bebê não possa compreender, a mãe se faz reconhecer insistindo nesta comunicação que se efetivará após o nascimento. Aos poucos, a criança evolui e inicia os balbucios, motivando a família a repeti-los e valorizá-los, o que a estimula a continuar. A presença da mãe constitui um elemento importante, pois se torna um modelo para sua aprendizagem e construção da linguagem. A presença da cegueira poderá provocar dificuldades na formação de vínculo com a mãe, comprometendo a comunicação, devido à falta do contato visual.

As brincadeiras e as trocas vocais são canais abertos para que a criança se comunique com seus país. Cabe ressaltar que a criança com cegueira possui condições para a aquisição da linguagem e poderá surpreender a sua família tanto para se comunicar, quanto para compreender o que lhe é dito e apresentado.

A criança vidente recebe grande quantidade de estímulos, além de perceber os gestos, expressões e imagens carregadas de significados, que por si só expressam a ação sem serem verbalizadas. Para que a criança com cegueira se aproprie deste conhecimento e incorpore esta outra forma de se comunicar, precisará do toque e contato pele a pele para perceber as diferentes expressões: sorriso, espanto, aborrecimento, piscar dos olhos, o movimento dos lábios; acrescentando palavras e outros gestos que significam sim e não, positivo, alô, até logo. Compete aos país e aos professores apresentar os objetos e incentivar a exploração tátil, explicar sobre sua função e uso.

O gesto e expressões faciais podem parecer comprometidos, mas a cegueira não constitui um obstáculo para o desenvolvimento e aquisição da linguagem, que precisa ser mediada de forma significativa para que a criança compreenda o que está acontecendo ao seu redor. Daí a importância da antecipação dos eventos. Imagine-se adormecido em sua cama e ser despertado com o som da furadeira acima de sua cabeça. A primeira reação será de susto! É fundamental proporcionar experiências e possibilitar a interação entre a criança e o objeto ou acontecimento. Valorize cada som e aproxime dela o objeto, permitindo que o localize, já que não o fará visualmente. O interesse despertado pela visão, faz com que as crianças videntes olhem na direção das pessoas e objetos. A falta de visão poderá despertar maior interesse pela audição e ao invés de “olhar”, a criança poderá a virar a cabeça na direção do som ou do interlocutor. Aspecto que pode não ser compreendido pela família.

A interação com os objetos, permitindo a exploração e reconhecimento, favorecerá a ampliação do repertório e vocabulário. A criança irá entender o significado das palavras e não apenas repeti-las. As palavras são encantadoras para as crianças e repeti-las pode ser um jogo interessante. Muitas vezes, a família incentiva esse jogo, levando-as a uma repetição inconsistente e sem significado. Estes estímulos devem estar associados a um contexto para que sirvam de orientação à criança.

A construção da aprendizagem e a formação de conceitos se dará de modo particular nas pessoas com cegueira, pois sua maneira de conhecer e interpretar o mundo é diferente daquelas que enxergam. Os objetos precisam ser tocados e as oportunidades muito variadas!

Este contato com objetos de diferentes formas, tamanhos, consistência, peso, textura, temperatura, devem incluir o desenho e as representações em relevo, como figuras, tabelas, gráficos, mapas e diagramas. A criança precisará de grande refinamento tátil para reconhecer, discriminar e ler os caracteres que formarão as letras, por isso não basta oferecer somente objetos do cotidiano.

A exposição aos estímulos táteis é cansativa para a criança, uma vez que utiliza outro canal sensorial, as mãos. Estudos tem apontado que a leitura tátil é três vezes mais fatigante do que a visual, por ser mais vagarosa, exigir adequado posicionamento dos braços e mãos, sendo necessária força e destreza manual para deslizar levemente os dedos sobre o texto. As variações de temperatura, podem provocar a diminuição da sensibilidade tátil.

Ao nos depararmos com um texto, leremos o título de relance, mas a pessoa com cegueira o fará de modo muito diferente. Em contato com o mesmo texto escrito em Braille, precisará apoiar as mãos e dedos sobre ele e reconhecerá com a polpa do dedo indicador, apenas uma letra, isto é, um conjunto de caracteres em relevo que formam a primeira letra do título. Sendo necessário deslizar os dedos para que a leitura da palavra seja concluída ponto a ponto.

O posicionamento adequado das mãos sobre o texto também é relevante para que a criança seja um bom leitor no futuro.

A escrita e a leitura devem ser igualmente valorizadas, por meio de atividades interessantes para evitar exercícios repetitivos e sem significado. Devemos possibilitar o contato com as palavras, frases, textos e livros de história infantil, substituindo a representação em tinta pelo desenho em relevo e objetos concretos, permitindo a interação com os personagens.

Outro aspecto importante a ser definido, diz respeito ao material utilizado para escrever. Atualmente, muitas crianças possuem a máquina de datilografia Braille e devem fazer uso dela diariamente, em casa e na escola. Outras crianças, pela dificuldade de acesso, utilizam a reglete e punção, que exige maior esforço. É importante que a criança aprenda a manejar adequadamente seu material e desenvolver habilidade suficiente para evitar o desperdício de tempo durante a execução da atividade.

A leitura constitui o veículo de cultura que a pessoa com cegueira não pode prescindir e, por isso, deve estar acessível a todas as crianças, possibilitando sua autonomia e independência na expressão de seus sentimentos, desejos e na comunicação.

*Maria da Graça Corsi é pedagoga especializada em deficiência visual, da Laramara – Associação Brasileira de Assistência à Pessoa com Deficiência Visual.

Fonte: Acesse Portal 

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