Surdas vítimas de violência de gênero sofrem também para denunciar o crime
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Mulheres que têm a deficiência não encontram aporte nos serviços
públicos para se comunicar com agentes e relatar a agressão.
Depois de quase cinco anos sofrendo com a violência de seu marido,
Carla* precisou de três tentativas — em 2014, 2017 e neste ano — para conseguir
encaminhar um pedido de medida protetiva na Delegacia da Mulher do Rio. Sua
surdez impedia a comunicação com os funcionários, já que o local não conta com
um intérprete para auxiliar portadores de deficiência auditiva. Devido à demora
do processo — também por falta de testemunhas —, ela voltou a sofrer agressões
e pensou que fosse morrer antes de conseguir a medida.
— Na polícia, não havia intérprete para me auxiliar. Tive de fazer o
registro escrito, de um jeito bem informal, fazendo mímica. Me senti exposta —
disse ela, por meio de uma intérprete. — Se eu vou até lá é porque realmente
estou precisando de ajuda. Tem de haver um apoio humano e tecnológico.
Com a ajuda de uma profissional que se voluntariou para intermediar a
comunicação, Carla finalmente conseguiu, no mês passado, que a polícia
encaminhasse o pedido à Justiça para restringir o acesso de seu ex-companheiro
a ela.
Sua demanda ainda não foi julgada, mas, mesmo se ela conseguir a medida
protetiva, diz que continuará desprotegida e dependente de outros caso seu
agressor volte a ameaçá-la.
— Eu não tenho autonomia. Se eu vir ele chegando, me ameaçando ou algo
do tipo, vou ter que mandar mensagem pedindo para alguém chamar a polícia.
A falta de intérpretes de Libras (Língua Brasileira de Sinais) em
delegacias, hospitais e outros órgãos públicos é uma dificuldade adicional para
as deficientes auditivas que precisam registrar agressões domiciliares.
Carla chegou a procurar também a Defensoria Pública do Rio, mas não
obteve a ajuda necessária. Segundo Pedro González, coordenador do Núcleo de
Atendimento à Pessoa com Deficiência, a DP não disponibiliza um intérprete
porque essa obrigação é da delegacia.
A Polícia Civil informou que, embora não haja intérpretes exclusivos
para atendimento a portadores de deficiência auditiva, todos os casos são
encaminhados para solução. Disse ainda que estuda como melhorar esse tipo de
atendimento.
Sem a ajuda do poder público, Carla só conseguiu fazer a denúncia com a
ajuda de Lygia Neves, também surda, que encontrou uma tradutora voluntária.
Lygia, que já foi vice-coordenadora da Federação Nacional de Educação e
Integração dos Surdos, diz que as dificuldades das mulheres surdas são pouco
discutidas.
— A Carla conseguiu uma intérprete só porque ela se voluntariou. Não era
uma obrigação dela, esses profissionais cobram por hora. O certo seria o
governo pagar — afirma Lygia.
Ela destaca a importância das testemunhas, que precisam ter coragem de
falar por quem não tem voz na justiça, e afirma que o Rio deveria ter um local
especializado para lidar com essas questões, como há em São Paulo e em Belo
Horizonte, que têm delegacias para pessoas com deficiência.
No Rio, quem precisa desse auxílio pode recorrer à Central Carioca de
Intérpretes de Libras, serviço da prefeitura que funciona sob agendamento.
Desde o ano passado, no entanto, a central conta com apenas três intérpretes
para atender a todo o município do Rio.
*O nome da vítima foi alterado para preservar sua identidade
Fonte:
O Globo
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