Após acidente, cadeirante cuida da casa e da filha e quer velejar em 2015
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Leandro
de Oliveira dirige, faz tarefas do lar e realiza tratamento para andar.
Ex-agente penitenciário perdeu os movimentos das pernas após acidente.
Com cadeira de rodas, Leandro cozinha para
ele e para a filha Lívia (Foto: Felipe Truda/G1)
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Em
uma casa no bairro Camaquã, na Zona
Sul de Porto Alegre (RS),
Leandro Rosa de Oliveira acorda todos os dias cedo para levar a filha Lívia, de
quatro anos, à creche de carro. Após voltar, põe roupas para lavar na máquina,
varre a casa e prepara o almoço. A rotina parece simples, não fosse um detalhe:
o homem, agente penitenciário aposentado por invalidez, não caminha há mais de
quatro dos 32 anos de vida, devido a um acidente de trânsito em 2011. Sentado
em sua cadeira de rodas na sala de estar da residência, Leandro lembra a
importância de realizar tarefas normalmente para sua reabilitação.
"Peço para pessoas com deficiência não
deixarem os outros trazerem tudo nas mãos, porque é algo que facilita. É cômodo
você estar em casa e receber o almoço, o copo d’água nas mãos. E cada coisa que
você deixa fazerem, por mais simples que seja, o corpo deixa de se movimentar e
você freia sua reabilitação.
Digo para o pessoal não desistir e sempre buscar um recurso, buscar um
profissional da área, porque a vida não termina. A vida só termina para quem
quer", afirma.
Para 2015, o cadeirante tem mais uma meta:
voltar a velejar. Ele já havia praticado a vela adaptada por meio de uma iniciativa gratuita realizada
no Iate
Clube Guaíba,
na Zona Sul de Porto Alegre. "Eles têm fisioterapeutas à disposição e uma
equipe para locomover você e colocá-lo nas velas e depois saem contigo, com
colete salva-vidas e tudo", conta empolgado.
O acidente aconteceu em 2011, quando Leandro
ainda trabalhava na Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe),
tendo como tarefa investigar possíveis delitos cometidos dentro de prisões em
todo o estado. Ele viajava de carro com um colega na BR-290 em Alegrete, na
Fronteira Oeste, quando o veículo, a 150 km/h, colidiu com uma carreta. O
motorista morreu, e ele foi auxiliado por um agricultor que passava pelo local
e atendido às pressas por um médico argentino que havia parado na estrada. O
condutor da carreta chegou a ficar hospitalizado, mas se salvou. "Só sei
disso porque ele relatou. Eu não lembro, porque a pancada na cabeça me deu
traumatismo e apagou umas duas horas de memória", conta.
Após o acidente, Leandro ouviu dos médicos
que não poderia mais caminhar. Foi submetido a uma cirurgia "apenas para
poder sentar". O golpe só não foi mais duro que a reação da filha ao vê-lo
no hospital. "O que mais me doeu foi quando ela chegava ao hospital bebê,
no colo dos outros, olhava pra mim e não queria chegar perto. Eu estava com
aparelhos ligados ao meu corpo e ela não me reconhecia" , disse.
Após sair do hospital, Leandro foi
encaminhado para o Centro de
Reabilitação de Porto Alegre (Cerepal) e,
posteriormente, para a AACD, entidade que atende pessoas com deficiência.
"Lá eu tive meus 11 meses de muita descoberta e evolução. Comecei a ver
que um cadeirante poderia seguir a vida normalmente", contou.
Em meio à reabilitação, se separou da ex-mulher.
Leandro, no entanto, garante que o fim do relacionamento não foi consequência
do acidente. "O casamento já não ia bem mesmo", diz. Da união que
fora interrompida, surgiu a grande motivação para seguir em frente. A guarda da
pequena Lívia é compartilhada, mas Leandro aproveita o tempo livre para tomar
conta da filha, que dorme ora com o pai, ora com a mãe.
Enquanto o pai supera as limitações para
tomar conta da filha, a pequena Lívia retribui ajudando em tarefas simples,
desde recolher prendedores de roupa que caem pelo chão até carregar o carrinho
de compras. "E ai de mim se não deixar. Já me senti constrangido em
supermercados, pois ela pega o carrinho da minha mão e vai levando. O pessoal
fica me olhando e eu digo que, se eu tirar o carrinho dela, arrumo briga. Ela
vai empurrando até pesar. Quando pesa, me entrega. Ela é um anjo".
A força de vontade é tanta que Leandro já
contrariou uma projeção dos médicos. Após ouvir que nunca se levantaria da
cadeira de rodas, ele foi procurado por uma especialista em reabilitação de
pacientes com lesão medular. Cerca de um ano depois de dar início ao
tratamento, ele já caminha com a ajuda de um andador.
"Ainda uso bastante a cadeira, pelo fato
de cozinhar, pois se eu chego perto do fogão com o andador, corro o risco de
cair e me queimar. Mas eu saía sempre em meu carro adaptado com a cadeira. Hoje
não, eu saio com o andador, porque eu chego nas casas e consigo ir ao banheiro,
e chegar a outros cômodos, pois muitas casas são limitadas para cadeira. Hoje
dou valor por poder estar no andador", afirma.
Se a pequena Lívia faz com que Leandro se
sinta motivado a dar sequência à sua reabilitação, a fé em Deus é o principal
alicerce ao qual ele se apoia. Em meio a tantas tarefas, não deixa de ler a
Bíblia. Uma vez por semana, participa de cultos e grupos de estudos religiosos.
A crença no cristianismo já existia, mas se fortaleceu quando o ex-agente
penitenciário ainda estava no leito do hospital após o acidente e um homem foi
falar com ele, para pregar a religião evangélica. Em meio à conversa, Leandro
descobriu que se tratava de um velho conhecido. Os dois serviram juntos ao
Exército em 2001 em Bagé, na Região da Campanha. Para ele, não foi uma simples
coincidência. "A partir dali eu decidi entregar a minha vida para o Senhor".
Em meio a tantos afazeres, Leandro ainda
encontra tempo para defender sua classe. Ele explica que, ao se aposentar por
invalidez devido a um acidente de trabalho, obteve o direito de receber um
salário equivalente à maior remuneração que poderia alcançar se a carreira não
tivesse sido abreviada. Como era da categoria A, a primeira após o funcionário
ingressar na Susepe, receberia o valor da categoria E, a última a ser atingida.
Porém, uma lei que vigora desde maio de 2013
não prevê este benefício, o que reduziu a remuneração de Leandro. "Cada um
dos poucos aposentados por invalidez da Susepe ficou recebendo de acordo com a
classe em que estava. Eu sou o mais prejudicado, porque meu salário ficou como
se eu recém tivesse ingressado no estado", argumenta.
Mas se acomodar não é da índole de Leandro,
que fez contato com o Sindicato dos Servidores
Penitenciários do Rio Grande do Sul (Amapergs) e
com os demais aposentados na mesma situação que ele para tentar reverter a
situação. Há duas semanas, pouco antes do recesso parlamentar, esteve na
Assembleia Legislativa para acompanhar uma sessão que poderia terminar com a
aprovação de uma emenda prevendo a volta do benefício. Apesar de não ter tido
sucesso na empreitada, ouviu de deputados governistas e oposicionistas – papéis
que se inverterão a partir da posse de José Ivo Sartori (PMDB) em janeiro – o
compromisso com sua causa.
Sendo nas galerias da Assembleia Legislativa,
em um barco à vela, no caminho da creche da filha ou na cozinha da própria
casa, Leandro ensina uma lição não apenas para os cadeirantes, mas para os
seres humanos: é preciso superar obstáculos para sentir-se vivo.
Leandro ao lado da filha Lívia. Ao fundo, o
andador usado pelo cadeirante (Foto: Felipe Truda/G1)
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Graças a tratamento, Leandro conseguiu usar o
andador
(Foto: Felipe Truda/G1)
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Leandro praticou vela adaptada no Iate Clube
Guaíba (Foto: Arquivo pessoal)
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