Cateterismo intermitente: o que é e como proceder

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O cateterismo intermitente é um procedimento que consiste em passar uma sonda pela uretra para esvaziar abexiga nos casos de pessoas que não tenham o seu funcionamento em condições normais. O procedimento é indicado porque o mau esvaziamento aumenta o risco de infecção urinária, podendo ter como consequência danos no trato urinário superior. O urologista, José Carlos Truzzi, explica que num grau mais avançado,pode provocar a perda da função renal, sendo necessário fazer diálise,agregando problemas que podem até levar a perda do rim.

Entretanto, diz, só precisa fazer cateterismo aquela pessoa que não consegue esvaziar adequadamente a bexiga. “Nesses casos, se não for feito o cateterismo, há um transbordamento, ou seja, a bexiga fica tão cheia que começa a escapar urina, podendo haver refluxo para os rins. A perda de urina leva a maior risco de infecção urinária devido à proliferação de bactérias. Mesmo que escape para fora, também tem consequências, pois compromete a qualidade de vida da pessoa, limitando deslocamentos e o convívio social”. O comprometimento da bexiga, do esfincter, é conhecido como bexiga neurogênica, que é a incapacidade de controlar o ato de urinar devido a uma disfunção neurológica da bexiga ou do esfíncter urinário. Isso ocorre muito empessoas com lesões medulares, mas não é na totalidade dos casos. Truzzi explica que, na maioria das pessoas em que ocorre essa disfunção, ela  não é igual. Depende do local, do nível da medula que é comprometida, da extensão e da gravidade do comprometimento dessa enervação. “Não existe uma condição única. A pessoa que tem uma lesão de coluna torácica pode ou não precisar fazer cateterismo, mas existe uma chance enorme de que ela venha ater uma alteração do funcionamento vesical.Em tendo a bexiga neurogênica, há uma possibilidade muito grande de que ela precise fazer o cateterismo intermitente,mas não é uma situação obrigatória e não é sempre na mesma condição”.

Truzzi explica que existem outras alterações neurológicas que também prejudicamo esvaziamento vesical. A pessoa pode ter um quadro de neuropatia diabética que compromete a enervação e não consegue esvaziar a bexiga, precisando fazer cateterismo. O paciente pode ter apresentado um tumor cerebral, um derrame e, dependendo do tipo, a situação é a mesma. Nos casos de Acidente Vascular Cerebral (AVC) não é usual, mas também pode ocorrer. A esclerose múltipla,por exemplo, se comprometer a medula,também provoca um mau esvaziamento da bexiga e precisa fazer cateterismo.

Evolução

José Carlos Truzzi 
O cateterismo intermitente pode ser feito pela própria pessoa, por alguém da família ou por enfermeiros e cuidadores. Truzzi diz que o mais usual, devido ao baixo preço, é este procedimento ser feito por meio de uma sonda plástica (PVC), mas que existem sondas de outros materiais, como metal e borracha.“O cateter de plástico tem custo baixo, mas como vivemos em um país com problemas financeiros importantes, as pessoas tentam esterilizar para reutilizar. Isso é errado, pois aumenta muito os riscos de infecção urinária. Toda sonda deve ser descartada após a utilização”, alerta. Ele comenta que também existem os cateteres hidrofílicos, que têm revestimento com lubrificação, o que facilita a passagem pela uretra. Os de plástico exigem que a pessoa aplique algum lubrificante. “O cateter hidrofílico é uma evolução. Além de oferecer a facilidade de passagem pela uretra sem precisar do contato manual, ele vem em tamanho menor para a mulher e um pouco mais longo para a uretra masculina, que é mais extensa”.Thais Salimbeni, gerente de mercado da linha de incontinência da Coloplast, empresa dinamarquesa que fornece o cateter hidrofílicono Brasil, explica que este produto tem revestimento de polímero. “O cateter Speedi-Cath é lubrificado e já vem pronto para uso.A pessoa ganha tempo, é prático, fácil de usar, e não provoca de desconforto. Ele faz um trabalho osmótico com a uretra. Se ela está muito seca, o cateter vai umedecê-la,se ela está normal, ele absorve a umidade,passando e sendo retirado sem machucara uretra. Em torno de 80% das pessoas que experimentam o hidrofílico deixam de usar qualquer outro tipo de cateter”, afirma.

Números alarmantes

Thais comenta que, por ano, o Brasil tem, em média, de 6 mil a 8 mil novos casos de trauma que geram lesões medulares, sendo que 80% são homens que estiveram envolvidos em acidentes de carro ou moto, queda de altura ou ferimentos com arma de fogo. Desses, 60% são jovens de 10 a 30 anos, ou seja, pessoas que estão em plena fase de atividade. O fornecimento de cateter pelo Sistema Único de Saúde (SUS) não é uma prática em todo o Brasil e, normalmente, os usuários precisam comprar. Algumas prefeituras entregam, mas não em quantidade suficiente. Segundo Thais, muitas cidades entregam apenas 30 unidades por mês. “Porém se uma pessoa precisa fazer quatro cateterismos por dia, que é um cenário bem conservador, ela vai precisar de 120 unidades no mês. Como recebe 30, terá que comprar os demais”. No Brasil, existem duas categorias de cateter: o convencional e o avançado. Dentro dos convencionais tem os cateteres de PVC simples, que não são lubrificados, e os pré-lubrificados, que trazem uma geleia na embalagem. Thais diz que quando a pessoa passa o lubrificante, o gel não fica impregnado em todo o cateter. “Ao iniciar o procedimento, o gel fica todo para fora da uretra e o que entra mesmo é o plástico sem lubrificação. Já o cateter hidrofílico tem lubrificação homogênea”, afirma. Em relação à diferença de preços entre o cateter convencional e o avançado, ela lembra que é preciso levar em conta o custo da efetividade. Um produto de PVC convencional pode ser encontrado no mercado por R$ 0,80; um pré-lubrificado em torno de R$ 4,00 e o hidrofílico custa R$ 8,40 no varejo. Thais diz que, com os convencionais, as pessoas terão, em média, de três a quatro episódios de infecção por ano. “Os estudos corroboram esses dados. Essas pessoas têm, às vezes, mais de mil infecções durante a vida se não se cuidarem, enquanto que uma pessoa com micção normal tem, em média, duas infecções na vida”. Portanto, diz, ao usar o cateter convencional, as pessoas ficam expostas a maior risco de contrair infecções, de precisar de internação, sair da vida social, vão depender dos familiares, porque, muitas vezes, não conseguem fazer o procedimento, como as crianças ou tetraplégicos. Além disso, em alguns momentos podem apresentar resistência antibiótica, o que acaba por gerar um custo muito grande ao sistema de saúde público e privado. Nestes casos, o usuário recebe muitos tipos de antibióticos, que vão deixando de fazer efeito e exigindo antibióticos mais avançados, que são mais caros, e, normalmente, precisam de internação, porque são aplicações endovenosas, gerando um custo muito grande no sistema de saúde. Portanto, diz, o cateter avançado é mais caro, mas é competitivo, pois diminui o custo do tratamento e melhora a qualidade de vida dos usuários. “Hoje devemos ter, em média, 95 mil pessoas no Brasil que se beneficiariam com isso. O que falta é as autoridades públicas enxergarem que, se fornecerem cateter hidrofílico pelo SUS, os custos vão diminuir e o país terá mais pessoas produtivas. Mas, infelizmente, não são todos os administradores públicos que enxergam dessa maneira”, lamenta. O urologista José Carlos Truzzi confirma as vantagens do cateter hidrofílico e que a ocorrência de infecção é menos frequente quando se utiliza esse tipo de cateter, devido ao menor atrito na uretra. “Machucando menos reduz a incidência de sangramento, evitando o risco de estreitamento da uretra”. Ele explica que, quando ferida, a uretra cicatriza para dentro. Ela vai se fechando e forma uma estenose uretra. “O uso do cateter hidrofílico diminui o risco de estenose ou de infecção, que são ganhos muito importantes”.

 Maria Alice Lelis, especialista em 
disfunções miccionais
A enfermeira Maria Alice Lelis, especialista em disfunções miccionais, pós-graduada em Ciências da Saúde na área de Urologia, diz que a maioria dos pacientes está optando por utilizar o hidrofílico. Comenta que as pessoas de melhor nível social fazem a opção sem pestanejar, mas que as de um nível social mais baixo estão aprendendo a calcular o quanto gastam comprando um cateter de maior valor unitário, comparando com um mais barato. “A pessoa que compra o de plástico simples tem que comprar a lidocaína, tem mais episódios de infecção e acaba gastando mais com antibióticos do que a pessoa que usa o cateter hidrofílico”. Ela faz questão de esclarecer que a pessoa não deve optar em deixar de fazer o cateterismo. “Se precisa esvaziar a bexiga e não usar nenhum cateter, o risco de infecção é muito alto. É preferível usar o de plástico. A primeira coisa que as pessoas têm que saber é que o cateter de plástico não provoca infecção, ele pode machucar a uretra se não for bem usado, mas o que mais provoca infecção é deixar de fazer o cateterismo.” Comenta que estudos mostram que o índice de infecção é menor em pacientes que usam o lubrificado. “Se formos comparar apenas valores unitários, o de PVC é mais barato, mas precisamos pensar no processo. Quanto gasta com o lubrificante e com antibióticos quando há infecção? As pessoas estão aprendendo a fazer essas contas e estão optando pelo hidrofílico”, afirma.

Bactérias estão mais resistentes

O urologista José Carlos Truzzi avalia que, se formos focar basicamente em infecção urinária, já valeria a pena adotar o uso de cateter hidrofílico. Isso porque o mundo está enfrentando uma dificuldade muito grande com os antibióticos. “As bactérias se tornaram progressivamente resistentes a uma boa parte dos antibióticos disponíveis. Isso no mundo todo”. Ele comenta que a Organização Mundial de Saúde (OMS) prevê que, nos próximos 30 anos, em previsões mais otimistas, ou nos próximos 20 anos, segundo as previsões menos otimistas, não haverá mais antibióticos para tratar tanto as infecções simples, como a de garganta, como as mais complexas. “Não temos novas classes de antibióticos, os que têm sido lançados, e os que estão em perspectivas de lançamento, são muito parecidos com os que temos hoje, com algumas características melhores, mas não chega a ser algo que nos dê tranquilidade. Hoje, já lidamos com bactérias muito resistentes e vamos vivenciar isso de modo cada vez mais intenso”, afirma.

Orientação e treinamento

Questionada se as pessoas conseguem fazer o próprio cateterismo, a enfermeira Maria Alice Lelis explica que isso depende de cada um, da estrutura familiar ou da rede social que a pessoa pertence. As dificuldades podem ser físicas ou emocionais, de aceitação do procedimento. Pessoas com paraplegia podem ter maior ou menor dificuldade motora nas mãos. Os pacientes com dificuldades motoras nas mãos vão precisar de ajuda para fazer o procedimento. Esse é um motivo biológico. Em outra situação, pode ser que a pessoa tenha dificuldade pessoal, não quer colocar o cateter, acredita que não consegue fazer e precisa de ajuda. Thais Salimbeni, da Coloplast, confirma que, muitas vezes, as pessoas param de realizar o procedimento por barreiras mentais e também por não entenderem o procedimento. “Mulheres, por exemplo, às vezes não conhecem a sua genitália, não entenderem o que é um orifício uretral, o que é uma vagina, então fazem errado. Como ninguém explica, elas param de fazer o cateterismo”. Ela informa que, para auxiliar os usuários, a empresa mantém o Programa Ativa, que, no Brasil, conta com uma equipe de 45 enfermeiros que ensinam gratuitamente às pessoas o porquê e como fazer o cateterismo corretamente. Este programa também oferece treinamento aos profissionais de saúde. Maria Alice comenta que, para quem tem dificuldades em fazer o procedimento, o cateter hidrofílico traz vantagens, pois basta abrir a embalagem e introduzir na uretra. “Por outro lado, no caso do cateter de PVC, é preciso ensinar os vários passos até o procedimento final: precisa abrir a embalagem, pegar a lidocaína e lubrificar o cateter em todas as partes, higienizar a genitália, lavar as mãos ou usar luva e só então estará pronta para o procedimento”. Ela explica que, por ter lubrificação homogênea, o hidrofílico passa pela uretra com mais facilidade, diminuindo o risco de trauma. Quando o próprio paciente faz a lubrificação, algumas áreas podem não ser lubrificadas, aumentando o risco de lesão da uretra.

Crianças: um capítulo à parte

Maria Alice Lelis explica que, do ponto de vista patológico, a maioria das crianças que precisa fazer cateterismo tem mielomeningocele – uma malformação congênita da coluna vertebral, em que as meninges, a medula e as raízes nervosas estão expostas. “Hoje os pais já sabem antes de nascer que o filho virá com essa alteração congênita e são ensinados a fazer o cateterismo desde os primeiros dias de vida”, afirma. Portanto, diz, é preciso ensinar a família a fazer o cateterismo e as mães fazem isso de maneira primorosa. O cateterismo no bebê não provoca impacto na vida das crianças, pois a mãe já iria trocar a fralda. “Entretanto, a criança cresce, fica autônoma e independente. Passa a ter uma vida social, mas continua dependente da mãe para poder urinar, e esse é o problema, pois as demais crianças não precisam de ninguém”. A literatura diz que a criança pode ser ensinada a fazer o procedimento quando atinge a idade escolar. “Com 7 anos já é possível inserir as crianças em cateterismo intermitente e isso já é feito. Os pais podem começar a ensinar ludicamente, explicando sobre a necessidade de ela mesma se cateterizar, usando um boneco para ela brincar cateterizando. Com a técnica de brinquedo terapeuta, a criança aprende colocando o cateter no boneco”. O ideal é fazer o cateterismo antes de ir para escola e assim que a criança volta para casa. “Pensando num período escolar de 4h30, esse é o procedimento ideal, pois o intervalo é para a criança brincar, esteja ela numa cadeira de rodas ou não, é hora de socializar, e o cateterismo na hora do recreio segrega a criança. Como o médico orienta fazer o cateterismo de seis em seis horas, é preciso adaptar isso na vida da criança. Tem casos de mães que vão à escola, no intervalo das aulas, para fazer cateterismo no filho. “O cateterismo tem que ser adaptado à vida social, tanto do adulto quanto da criança, dentro dos parâmetros que respeite o funcionamento da bexiga. Ele deve facilitar a vida das pessoas. Deste modo, se respeita a vida da criança, que tem seu horário para brincar, e respeita a mãe, que pode cuidar de si mesma, pois não precisará se deslocar para fazer o cateterismo na criança em horário escolar.”

Fonte: Universo PcD

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