Paralisado em queda de cavalo, ex-presidente da Azul recria sua carreira
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Pedro Janot, ex-executivo de Zara, Azul,
Richards e Pão de Açucar também laçou o livro ‘Maestro de Voo – Uma Vida em
Desafios’
Minutos antes de iniciar a entrevista,
sentado na sala de sua casa em Alphaville (SP), Pedro Janot pediu auxílio ao
seu fisioterapeuta para mostrar o que considera como a sua maior conquista dos
últimos anos. Em poucos segundos – e com um esforço visível – levantou-se do
sofá e conseguiu manter-se em pé. Pediu desculpas pela forte tremedeira de suas
mãos e pernas e tranquilizou: “Isso não significa nada”. A conquista de Janot,
executivo conhecido do varejo e ex-presidente da Azul Linhas Aéreas, é
resultado de esforço intensivo dos últimos dois anos e meio. Em novembro de
2011, durante uma viagem “de descanso” a seu sítio sofreu um acidente de
cavalo. A queda provocou uma grave lesão abaixo do pescoço, deixando-o
tetraplégico.
Na época, Janot era presidente da Azul, voava
duas vezes por semana e trabalhava mais de 12 horas por dia. Sob o seu comando,
a companhia – criada em 2008 pelo empresário David Neeleman – ocupava a posição
de 3ª maior companhia aérea brasileira, transportando 12 milhões de clientes
por ano. Em sua gestão, Janot uniu “tripulantes azuis” – e não funcionários,
como ele gosta de ressaltar – de diferentes companhias aéreas, determinou que
os “passageiros” seriam tratados como clientes – na definição e na interação.
Algo que trouxe de seus tempos no varejo brasileiro, onde ajudou a implantar a
Zara para o Brasil e trabalhou em empresas como o Pão de Açúcar e a Richards.
O acidente modificou o seu rumo, direção e
velocidade. Mas não desvinculou-o da Azul. Continua frequentando a sede da
companhia uma vez ao mês, recebe relatórios e mantém conversas regulares com
Neeleman e outros executivos. Ao mesmo tempo em que a Azul anuncia a estreia
nas rotas internacionais – com a inauguração de um vôo para Miami direto de
Viracopos -, Janot, aos 54 anos, recupera-se. Não só fisicamente. Ele está
retornando ao mundo executivo e os seus novos planos incluem uma consultoria
com “Ex-Zaras” e a atuação como mentor empresarial. Afinal, ele não consegue
ficar parado. “Eu gosto de lançar companhia e ajudá-la a crescer”, afirma.
Em entrevista a Época NEGÓCIOS, Janot
comenta sobre a sua gestão na Azul: da formação da primeira equipe, passando
pelo crescimento de Viracopos até a “não” abertura de capital. O executivo
também fala sobre a situação dos aeroportos no país, como o varejo o ajudou na
aviação e sobre sua recuperação – que está indo muito bem. Ou melhor, como ele
garantiu ao finalizar a entrevista: “Caminha a passos largos”.
Antes de chegar a Azul em 2008, o senhor
trabalhou em diversas empresas de varejo: Zara, Pão de Açúcar, Richards.
De que forma a experiência no varejo o ajudou a criar o primeiro time e as
diretrizes de uma companhia aviação?
Liderar a implantação da Zara no Brasil trouxe uma experiência enorme. Da mesma
maneira que tivemos que “ensinar as pessoas” a vestirem aquela roupa com
conteúdo europeu fortíssimo a um preço específico, eu tive que ensinar as
pessoas a voar e perceber o valor do produto. Eu trabalhava com roupas,
algo absolutamente sensitivo e que você precisa estar muito próximo ao cliente.
Um botão, uma grossura de costura faz a diferença. Citando o Marcelo Szpilman,
o cliente tem sagacidade de um tubarão e é capaz de perceber uma gota de sangue
em volume infinito de água.
Toda a experiência no varejo de roupa me trouxe para a Azul com a missão
específica de montar a equipe que tratasse bem o cliente. Especificamente na
aviação, o cliente era mal tratado por conta do monopólio das empresas. Isso
nos deu um foco muito forte para fazer o valor agregado ao produto crescer.
Algo que mudei logo de início foi retirar a palavra “passageiro” e recomendar a
utilização de “clientes”. Passageiro é algo de passagem. Cliente é para sempre.
Isso muda a abordagem das pessoas e de toda a equipe. Assim como na Zara
ensinamos o cliente a consumir naquele sistema de compras (sem vendedor e com
cabine apertada) na Azul implantamos um corolário de coisas simples, mas que
fizeram a diferença: palavra de conforto do comandante, informalidade, sorriso
e penteado natural dos tripulantes, snacks à vontade, live TV, entre outros.
O senhor foi o primeiro presidente da Azul –
comandando a companhia de 2008 até pouco após o seu acidente, em setembro de
2012. Quais os diferenciais da sua gestão e da estratégia?
Quando cheguei, a minha maior preocupação era que não houvesse dissidência, porque
havia profissionais provenientes de várias companhias. Era um processo doloroso
porque não podíamos brigar e formar o grupo da Varig, o grupo da Vasp, da Jet
Blue, da TAM. Eu costumava dizer durante as reuniões de boas vindas: nós
somos uma “sopa de legumes fria, com diferentes ingredientes, e o que
precisamos é cozinhar e formar um caldo único”, ou seja, uma cultura única.
Essa primeira equipe era formada por “empreendedores”, temos que admitir. Era
uma startup. Acredito que o diferencial da gestão foi entregar não um
“avião Azul”, mas os valores da companhia – que é uma versão moderna de visão
do produto. Por exemplo, queríamos entregar “consideração”. O que é
consideração? É ser pontual e não cancelar vôos (regularidade). O que é
paixão? Paixão não é amar a aviação. Paixão é amar os clientes.
Para descobrir o que o cliente queria eu voava duas vezes por semana,
conversando com eles e corrigindo falhas de operação – do call center à
melhoria de serviços em aeroportos. Outro fator tão importante quanto o cliente
externo é valorizar o cliente interno, que nós chamamos de “tripulantes azuis”.
O que é consideração para eles? Não só um bom ambiente de trabalho e
possibilidade de ascensão, como também a capacidade de resolução de problemas –
pessoais ou profissionais. Tudo isso traz um natural retorno para o investidor
porque é um ciclo, uma tríade. Dessa maneira, conseguimos imprimir um ritmo de
qualidade de serviço alucinante e nos redimir rapidamente de erros com
clientes.
Como a parceria com a Embraer ajudou a Azul a
entrar em um mercado tão fechado e concorrer com empresas consolidadas no
Brasil?
Olhando pela perspectiva de mercado da época, o ambiente era difícil: entramos
em um mercado com 98% na mão de duas companhias. Elas tinham capacidade de nos
matar com muita rapidez, se tivessem sido hábeis para isso. Mas não entenderam,
principalmente porque os aviões eram muito diferentes. Nossos aviões eram
right-size, ou seja, com o tamanho certo para as rotas.
A Embraer voava no mundo inteiro, mas não voava aqui – e o brasileiro não
conhecia os seus aviões. Acreditamos que o produto era muito bom e foi essa a
razão técnica para a escolha dos aviões da Embraer: maior espaço para as
pernas, classe especial por uma pequena soma, live TV, banco de couro. Com isso
em mãos, só precisávamos saber como entregar ao cliente. O avião, aliado a uma
estratégia de preços agressiva e ao nosso atendimento, fez a companhia crescer
tão rápido e de maneira tão sólida…
Uma das estratégias agressivas da Azul foi o
preço baixo das passagens, o que indiretamente, levou outras companhias a
baixar o preço também.
Em 2008, o preço médio da tarifa doméstica foi de R$ 417. A taxa foi caindo
naturalmente. Já no ano seguinte, ficou em R$ 315 e, no ano passado, ficou
entorno de R$ 218. Essa diminuição, diga-se, em contraponto à curva do custo do
petróleo que subiu e da valorização do real frente ao dólar. É que antes,
devido ao monopólio, tanto fazia você comprar passagem 40 dias antes ou no
mesmo dia do vôo. A variação de preços era muito baixa. Nós trouxemos um nível
de competição na entrada no Brasil muito poderoso e nós não roubamos mercado da
TAM e Gol. Nós crescemos em cima do desenvolvimento do mercado.
A Azul parece estar intimamente ligada ao
crescimento de Viracopos e à transformação do aeroporto: de um centro de
transporte de cargas para um importante terminal de passageiros. Há cinco anos,
por que a companhia resolveu apostar nesse aeroporto?
Campinas está a apenas 100 quilômetros de São Paulo, mas lá atrás ninguém
acreditava que o aeroporto poderia se transformar no que é hoje. Tinha um
terminal pequeno – porém decente -, praticamente zero de serviço aéreo e nenhum
transporte de conexão. Mas estava simplesmente no segundo maior mercado
brasileiro. Na época, o Top of Mind do interior era 98% referente à apenas uma
companhia aérea. Mas essa companhia não voava em Viracopos. Nós percebemos que
iríamos capturar um monte de gente do interior que já voava – mas que tinha que
ir até Congonhas. Além disso, tínhamos um mercado enorme para desenvolver:
fizemos isso com preços baixos e implantando o ônibus gratuito para levar as
pessoas das cidades do interior paulista até Viracopos. Agora, com a
inauguração dos voos internacionais, nem para Guarulhos essas pessoas
precisarão ir. Em 2008, o aeroporto movimentava cerca de 1 milhão de
passageiros por ano. Fechou o ano passado com 9,29 milhões.
Em 2010, a Anac alterou a norma 2 de aviação,
concedendo 20% das rotas para novas companhias. A Azul conseguiu operar em
Congonhas aos sábados. Agora, a empresa acaba de ganhar uma nova concessão e
entra de vez em Congonhas. Chegar ao aeroporto paulista sempre fez parte do
projeto da Azul?
Nesse ambiente competitivo, com força política das concorrentes e regras que
não nos favoreciam, nós não contávamos com Congonhas. O projeto já nasceu
em Viracopos com a estratégia definida e nunca contou com Congonhas para dar
certo. Agora, se por um lado não era um plano, sempre foi um desejo. Todo mundo
quer Congonhas. E nós demos passos nesses últimos anos para isso. Com os novos
slots da ANAC e a possibilidade de ter um voo no sábado, nós conseguimos abrir
uma loja em um dos melhores pontos do aeroporto, por onde passam 7 milhões de
pessoas. Isso foi um ato de entrada, algo como uma “unha encravada”, mostrando
que chegamos ali. E agora, estando lá durante a semana, vamos competir de igual
para igual.
A estratégia de entrada no mercado
brasileiro: com aviões Embraer, tarifas agressivas de preços, ônibus gratuito.
Pensando em retorno financeiro, vocês tinham prazos e metas de lucro?
Nossa companhia começou como a companhia mais capitalizada da história da
aviação. Entramos com US$ 235 milhões porque prevíamos dificuldades. Era um
projeto que sabíamos que íamos tomar muita “pancada” dos inimigos. E fomos
pegos por uma crise de 2008 que trouxe um frio na barriga grande porque todo
tipo de financiamento sumiu do mercado. Os bancos e empresas de leasing nem
cafezinho pagavam. Foi um momento de aperto. Mas conseguimos sair dele com
aporte, linha com BNDES para financiar aviões e, assim, conseguimos avançar com
nosso projeto. O que eu posso dizer em termos financeiros é que nós não
esperávamos ser grandes tão rápidos como somos e, por isso, o retorno que nós
queríamos inicialmente no projeto não veio rápido como queríamos.
No segundo semestre de 2012, foi anunciada a
consolidação da fusão com a TRIP Linhas Aéreas. A união afetou o crescimento da
Azul e prejudicou as operações financeiras?
Não. O que aconteceu foi que a fusão trouxe a verdadeira vocação do que o
Brasil precisa, que é conectividade. Essa fusão foi absolutamente positiva
sobre todas as óticas – operacionais, financeiras e mercadológicas. A parte
cultural é o grande desafio. Você não consegue mudar a cultura da nova Azul em
cinco minutos. Isso leva tempo e tem toda uma nova estratégia de criar uma nova
Azul – que não foi a que eu fundei, mas que leva fundamento fortíssimos das 2
companhias. Só teve ponto positivo. Agora, com o anúncio dos vôos
internacionais, a fusão só se mostra mais forte e importante.
Se a fusão não tivesse ocorrido o crescimento
da Azul teria “engolido” a TRIP?
Não tenho permissão para responder isso de modo nenhum.
A decisão de abertura do capital da Azul é
algo que se discute há muito tempo. Recentemente, a empresa recuou do IPO
(Oferta Pública Inicial). Há uma perspectiva de abertura? O que a empresa está
esperando?
Não posso falar detalhes sobre o assunto, mas abrir capital faz sim parte do
nosso projeto – mas não no horizonte atual. Para abrir capital, você tem que
ter uma mercadoria que o mercado queira comprar. E hoje, ninguém quer comprar
Brasil. Ainda é o melhor dos BRICS, mas está faltando muita definição. Tem
muita insegurança nas declarações dos ministros, Banco Central com dependência
do governo central, Caso Petrobras, preço de gasolina e inflação avançando. A
gente vive um momento econômico muito incerto. Mas os rumores do mercado mudam
muito rápido. Quem imaginava que a Rússia fosse fazer o que fez na Ucrânia?
Hoje, ninguém quer investir lá. Vamos aguardar bons ventos…
Como o senhor vê a infraestrutura
aeroportuária hoje?
O problema dos aeroportos que foram privatizados está nos preços. Eles terão
infraestrutura, mas o desafio atual está na negociação das tarifas e preços. Já
nos aeroportos administrados pela Infraero, continuamos no mesmo passo de
sempre, que é o de um ritmo lento, de atraso. Em Confins, explica-se o
inexplicável. A questão de infraestrutura é simples: ou vai ou não vai.
Mas, de modo geral, estamos preparados. Os únicos que eu tenho particularmente
dificuldade de enxergar são o de Fortaleza e Confins, que estão muito
atrasados.
O senhor deixou a presidência da Azul após
sofrer um grave acidente de cavalo. Como o acidente modificou a sua vida?
O acidente interrompeu uma carreira executiva que estava no auge, com projeto
fantástico que era lançar a Azul. Estava a 1000 km/h e fui para zero. Mas eu
tive grande sorte de não ter ficado preso a nenhum aparelho. Passados dois anos
e meio, os meus movimentos estão voltando, as dores musculares estão acabando.
Está tudo indo melhor e já estou até andando de barra paralela. Eu acho que
hoje sou obrigado a repensar que a vida não acabou e assumir que o retorno à
vida era como qualquer outro projeto anterior – como o lançamento da Zara e
Azul. Como se não bastasse continuo empreendendo. Tenho um apiário
orgânico que está na fase comercial, estou abrindo uma creche em Joanópolis,
lancei meu livro e agora estou desenhando o projeto de uma consultoria de
varejo. Hoje, a única coisa que me arrependo é de não ter sido mais
dedicado a meus amigos e à minha família. Todo mundo tem problemas, mas devemos
sempre estar atento ao que nos cerca. Sempre dá para fazer melhor.
Como está sendo o retorno ao mercado?
Não posso mais me dedicar ao trabalho como o executivo que eu era – que
trabalhava até 14 horas por dia. Eu não tenho mais esse tempo hoje e, para
falar a verdade, nem quero mais dedicar 14 horas do meu dia a um trabalho.
Quero aproveitar o pouco tempo que tenho para a minha recuperação e com a nova
empresa que estou criando junto a “ex-Zaras” do Brasil e do exterior. Não
sei o formato ainda, mas será uma consultoria que ajudará a desenvolver o
varejo brasileiro dentro do padrão para o mais alto nível de operações. O que
eu vejo hoje é o que varejo no Brasil ainda está na época do carvão. O combustível
que eles usam é rudimentar e ninguém sabe como fazer fast fashion – que,
definitivamente, não é só botar roupa da moda na hora. Queremos mudar isso.
Além disso, há seis meses estou atuando como mentor, auxiliando um CEO de uma
grande empresa. Estamos trocando ideias e experiências, ajudando a determinar o
melhor rumo da empresa. É disso que eu gosto: poder ajudar uma companhia
crescer.
Fonte: Época Negócios e Blog Turismo Adaptado
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