Depois de ser o primeiro cadeirante do mundo a surfar o fenômeno da pororoca, Andrezinho Carioca treina de stand up paddle
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Objetivo é pegar uma onda e participar de
uma competição da modalidade
POR MAÍRA RUBIM
O médico não havia dito isso, mas
Andrezinho se tornou um atleta paralímpico (hoje já não compete mais). Sua
vontade e sua determinação ainda o levaram além: fizeram com que se tornasse o
primeiro cadeirante do mundo a surfar o fenômeno da pororoca, em 2012, no
Maranhão. O feito foi repetido este ano, em Macapá, no arquipélago do Bailique,
na foz do Rio Amazonas. Hoje, aos 35 anos e com a ajuda do atleta e professor
de Educação Física Rafael Veloso, ele conseguiu mais um feito: na última
quarta-feira, desbravou o mar da Restinga da Marambaia, que tem ondas menores,
sobre uma prancha de stand up paddle (SUP).
— Desci ondas pequenas, que não tinham nem
meio metro, mas estou muito empolgado. Agora quero treinar na Praia da Macumba,
para pegar ondas maiores. Ver uma cadeira de rodas na praia já é difícil; vê-la
descendo uma onda, então... Quando saí da água e olhei as fotos, pensei: “Sou
eu, cara!” — conta Andrezinho.
Logo após o acidente que o deixou
paraplégico, em consequência de um traumatismo raquimedular, Andrezinho conta
que começou a conhecer seu novo universo, disposto a fazer o possível para ter
uma vida feliz. Pouco depois, voltava ao hospital, devido a uma infecção
generalizada que o deixou internado por 90 dias, mas não desanimou.
— Cheguei a perder 12 quilos numa semana.
Os médicos já preparavam os meus pais para o pior quando o antibiótico começou
a fazer efeito. Quando voltei para casa, comecei a acreditar que seria possível
ter a vida normal de que os fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais me
falavam, desde que eu cuidasse da saúde — diz.
Três meses depois, Andrezinho passou se
locomver sozinho pela cidade. Não queria depender de ninguém:
— Se fosse para viver deitado numa cama,
esperando a minha mãe cuidar de mim, eu não sei se teria a vontade de viver, a
gana que eu tenho.
Em 2009, Andrezinho foi apresentado ao
projeto “Remar é possível”, da Confederação Brasileira de Remo, e chegou a ser
atleta do Vasco e federado pelo Flamengo, time pelo qual integrou a seleção
brasileira da modalidade, participando de um campeonato nacional.
— Voltei desanimado, por causa das
dificuldades. Aí me falaram de um projeto de surfe adaptado, o Adaptsurf.
Marquei uma aula no Posto 2 da Praia da Barra e, depois daquele dia, não quis
mais parar. Eu me apaixonei pelo surfe. É no mar que tenho a maior sensação de
liberdade, com a minha pranchinha, depois da arrebentação. Lá posso mergulhar;
eu me sinto livre. Quando surfei a pororoca do Maranhão, fiquei seis dias
dentro de um barco, dormindo na rede como todos os outros — orgulha-se.
Após se aventurar no surfe, Andrezinho foi
convidado a ir para Londres, integrando o elenco da peça “Belonging”, que também
passou pela Cidade das Artes, na qual praticava tecido acrobático:
Todos os dias tenho a sorte de cruzar com
pessoas que me oferecem oportunidades.
PRÓXIMA PARADA: PERU
Os caminhos de Andrezinho Carioca e do
atleta e professor de Educação Física Rafael Veloso se cruzaram há cerca de um
mês. Foi quando o desafio de praticar o SUP surgiu.
— Estávamos num evento em que todo mundo
praticava stand up paddle, menos o Andrezinho. Perguntei se ele gostaria de
tentar. Ele ficou receoso, mas seus olhos brilhavam. Dei um jeito de adaptar a
prancha e coloquei-o para remar no Canal de Marapendi — recorda Veloso.
O treinamento, com apoio da Casa do Remo,
durou pouco: três sessões. Durante a produção desta reportagem, O GLOBO-Barra
acompanhou a segunda, no Canal do Mangue, em Guaratiba. Antes da publicação, a
equipe foi informada de que Andrezinho tinha conquistado o mar. Nada que
surpreenda o professor, que, já naquela manhã, era só elogios ao aluno.
— Sou fã dele! Ele se mexe muito mais do
que muita gente que tem todos os movimentos. A deficiência e os limites estão
dentro de cada um — diz.
Naquele dia, no mangue, o trabalho era
encontrar a melhor posição sobre a prancha e avaliar o tempo que Andrezinho
conseguiria se manter sozinho dentro d’água. Animado com o resultado, Veloso
levou o atleta para o mar.
— Dei a sugestão e ele aceitou na hora.
Antes de colocá-lo na água, peguei onda com a cadeira de rodas para saber como
orientá-lo. Ele é muito mais ousado do que eu; se deixar, vai longe. Estamos em
êxtase até agora — diz o professor, revelando que os dois planejam pegar ondas
maiores, em breve, no Peru.
Outro projeto de Veloso é levar o SUP a
mais cadeirantes:
— Além de apoiar o Andrezinho como amigo,
eu o estou preparando porque enxerguei aí um desafio profissional. Ele abriu um
leque para mim, me mostrou um novo caminho.
Puxados por um barco, os dois foram
esquiando, sobre a prancha de stand up paddle, até o local onde as ondas quebram
na Restinga, conta Andrezinho.
— A proposta era fazer remadas de
distância, no mar liso. Aí eu vi que tinha equilíbrio e comentei sobre a
possibilidade de pegar onda. Primeiro, o Rafael ficou em pé comigo, na prancha,
mas foi difícil sincronizar o equilíbiro dos dois. Depois, ele decidiu ir
deitado, porque ficava mais fácil obter estabilidade. Aí desci ondas bem
pequeninhas. Em algumas, ele foi comigo; em outras, só deu o empurrão, e eu fui
embora sozinho. Agora, quero começar a evoluir para ondas maiores.
O atleta diz que o esporte lhe garante a
alegria de viver:
— Dentro d’água, treino meu equilíbrio e
melhoro meu condicionamento físico. Não me vejo vivendo sem o esporte. A cada
dia, faço uma atividade nova. Acredito que nada é impossível. Quando a vida não
mostra um futuro promissor, você tem que se reinventar.
Fonte: O Globo
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