Preparação de pessoas com deficiência para concursos públicos
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Fala-se
pouco nas redes sociais e na mídia de um modo geral sobre a preparação para
concursos públicos dos candidatos com deficiência, vulgarmente denominados como
candidatos PNE’s (portadores de necessidades especiais). Vale deixar, como
cartão de visitas, minha crítica a esta infeliz nomenclatura oficializada pelo
Decreto 3298/99. Ora, eu sou tetraplégico e não carrego minha deficiência
física na carteira como se fosse um documento! (Eu não tenho opção de portar ou
não minhas limitações!). Mas, tratando da rotina de estudos de um candidato com
deficiência, dependendo da sua limitação – seja física, auditiva, visual ou
intelectual – é bem possível bater de frente com alguns obstáculos que, se não
forem previamente observados, podem interferir de maneira bastante negativa no
resultado almejado pelo candidato.
Não quero fazer drama nem sensacionalismo, mas imagine como é ter que deixar de
fazer um bom curso preparatório porque o estabelecimento não oferece o mínimo
de acessibilidade (rampas de acesso, elevadores, banheiro adaptado, mesa para
cadeirante, sala de estudo com espaço adequado, etc.) para receber um candidato
numa cadeira de rodas? Poucas instituições no ramo pensam nisso. A situação é
muito complicada. Até mesmo para um autodidata com disciplina de estudo é
preciso muita estratégia e dinamismo para não deixar que as limitações atrapalhem.
Por exemplo, quando a pessoa com deficiência é parcialmente independente (minha
situação), ela pode até ter garra e a disciplina necessária, mas vai ter que
adequar seu programa de estudo à rotina dos terceiros que a acompanham. Não dá
para virar uma noite estudando e preocupado caso precise de alguém para te
ajudar sair de uma cadeira no meio da madrugada, ou nem sempre será possível
encontrar bons materiais em áudio, Libras ou braille. Isso tudo sem falar nas
dificuldades de locomoção dos que dependem de transporte público para chegar
numa sala de cursinho.
Embora qualquer pessoa,
independentemente de deficiência, tenha lá suas dificuldades para preparação
(sejam de ordem familiar, financeiras, psicológicas e outras), é certo que
quando há uma limitação física, a situação pode se tornar ainda mais difícil se
não for realizada uma análise prévia de possibilidades para se dar a volta
por cima. É isso mesmo! O candidato que tem alguma deficiência capaz de
interferir na sua preparação, ao elaborar seu planejamento de estudos, tem que
levar todos esses fatores em consideração para tentar fazer do limão uma boa
limonada! O ideal é buscar recursos como cursos online e softwares que
facilitem a tradução, leitura e conversão de arquivos para a linguagem mais
adequada, além de entrar em acordo com familiares ou cuidadores sobre a
necessidade de um ambiente adequado de estudos e sobre os horários de
procedimentos (banho, cuidados cirúrgicos, cateterismo vesical, fisioterapia…),
os quais, de acordo com cada pessoa, tomam boa parte do dia. Tudo isso é
importante para otimizar sua grade de horários e conseguir ter o máximo de
horas livres possível para estudar e, a partir daí, encarar frente a frente,
com disciplina, um programa de estudos em busca da realização de ingressar em
uma carreira pública.
O mercado de trabalho na esfera privada ainda é muito cruel com as pessoas com
deficiência, independentemente da sua qualificação profissional. A “regra
prática” na atividade privada é que a pessoa com deficiência só pode ocupar
vagas decorrentes da “cota” legal obrigatória. Sem dúvida nenhuma, afirmo aos
colegas com deficiência, em sentido amplo, que encontram diversas barreiras
para estudar, que hoje o serviço público ainda é a nossa melhor opção. É uma
conquista que demanda dedicação, disciplina, esforço fora do comum e muita
perseverança, mas é possível materializar a superação e garantir a qualidade de
vida quando deixamos de olhar para os obstáculos e enxergamos apenas o nosso
foco.
Thiago Helton é Oficial de
Apoio Judicial do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, concurseiro e acadêmico
de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. É membro da comissão
de acessibilidade da PUC Minas, unidade Barreiro em Belo Horizonte/MG.
Tetraplégico desde 2008, vítima de acidente de trânsito (atropelamento).
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