Maratona diária para quem usa cadeira de rodas
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Pesquisa do IBGE revela carência de políticas
públicas para garantir acessibilidade a cadeirantes. Só 4,7% dos municípios
possuem rampas.
É preciso ter o preparo físico de um maratonista para acompanhar
a rotina de um cadeirante ao ultrapassar os obstáculos
encontrados nas calçadas de São Paulo
.
“A vida do cadeirante é olhar para baixo”, resume o analista de sistemas Valdir
Gonçalves, de 41 anos. Nesta quinta-feira, ele mostrou ao site de VEJA, na
prática, os principais problemas que enfrenta para se locomover e realizar as
atividades mais corriqueiras. “Para pessoas que não movimentam o tronco seria
impossível andar pelas ruas de São Paulo porque isso exige muito esforço
físico”, conta.
O
ponto de partida do trajeto foi a unidade do Sesc-Belenzinho
,
na Zona Leste da Capital, local que frequenta várias vezes durante a semana
para praticar musculação e natação. “Em São Paulo você tem ilhas de acessibilidade",
observa Valdir. "Um exemplo é a região da Paulista e centros culturais
como o Sesc. Mas o grande problema é chegar até estes lugares”. O desafio
proposto era sair de uma dessas “ilhas” e enfrentar a “realidade”: usando
o metrô e as calçadas, ir até a região de Santa Efigênia, no Centro, para
buscar o celular que Valdir havia deixado na assistência técnica.
O
caminho até a estação Belém, apesar de curto, traz uma série de problemas, como
calçadas inclinadas, que exigem grande esforço físico, pois sobrecarregam só um
lado da cadeira. Em várias esquinas não há rampas e, quando existem, estão
deterioradas, com buracos e desníveis. Outro problema frequente é o acúmulo de
água na base das rampas, que impede a saída das cadeiras. Há também rampas
improvisadas que, por não terem a largura necessária, podem travar as rodas das
cadeiras e causar acidentes.
Não
foram raras as vezes em que, por falta de alternativa, Valdir teve que trafegar
pela rua, correndo o risco de ser atropelado. Na via que dá acesso à estação,
por exemplo, teve que disputar espaço com os ônibus – não havia rampa para
subir na calçada. “Geralmente, regiões com maior circulação de pessoas, perto
de centros comerciais ou de alto poder aquisitivo recebem mais atenção da
prefeitura", diz. "Mas quanto mais periférica a zona, pior a situação
das calçadas”.
Ao
chegar ao Centro a situação é um pouco pior – e os buracos são mais
frequentes. “A cadeira não é feita para passar por buracos", conta.
"Já danifiquei outra cadeira por causa disso”. A escassez de rampas o
obriga mais uma vez a fazer boa parte do trajeto pela rua. Em um dos
cruzamentos, a rampa está deslocada da faixa de pedestres e Valdir é obrigado a
avançar sobre os carros parados no sinal.
Para
o analista de sistemas, a preocupação com a acessibilidade não garante apenas a
independência dos deficientes físicos, mas beneficia toda a população. “Rampas
são utilizadas por idosos, mulheres grávidas ou pessoas que passaram por
cirurgias. Todo mundo está sujeito a ter os movimentos limitados, mesmo que
temporariamente”.
Índice de acessibilidade - A dificuldade enfrentada por Valdir é a mesma de milhares de
cadeirantes. Segundo o IBGE
,
mais de 45 milhões de brasileiros (23,9% da população) possuem algum tipo de deficiência no Brasil
– o órgão não especifica quantos são cadeirantes. Dados
divulgados nesta sexta-feira pelo IBGE revelam que o Brasil ainda carece de
políticas públicas para garantir acessibilidade a quem usa cadeira de rodas,
mesmo em locais com alto índice de urbanização e disponibilidade de serviços
públicos.
De
acordo com o estudo, nos municípios brasileiros, a maioria das faces de quadras
(cada um dos lados da quadra, contendo ou não domicílios ou estabelecimentos)
possui ruas pavimentadas (81,7%), dispõe de meio fio (77%) e oferece calçadas
para circulação de pedestres (69%). Mas uma ínfima parcela (4,7%) possui rampas
de acesso para cadeirantes. Esse índice sobe para 5,6% em locais onde há maior
incidência de moradores com idade acima de 60 anos. A pesquisa, realizada de 1º
de agosto a 30 de outubro de 2010 nas áreas urbanizadas dos 5.565 municípios
brasileiros, apresenta um nível de detalhamento inédito, com foco em aspectos
importantes da infraestrutura urbana, como questões referentes à circulação e o
meio ambiente.
O
índice de acessibilidade é baixo até nas cidades classificadas pelo IBGE como
as que têm a melhor infraestrutura urbana. Nesses municípios, apenas 5,8% das
faces de quadras possuem rampas de acesso para cadeirantes – mesmo que 80%
delas possuam calçadas, 90% tenham vias pavimentadas e quase a totalidade (98%)
disponham de ruas com iluminação pública. Nas cidades classificadas como
“inadequadas”, o percentual de incidência de rampas para cadeirantes no entorno
dos domicílios é ínfimo: 0,2%.
Sem surpresa - A diferença é grande
quando se compara o entorno dos domicílios cujos moradores possuem rendimentos
mais altos com os mais carentes. Em locais onde as pessoas ganham mais de 2
salários mínimos, o índice de rampas para cadeirantes é de 12,2%. Em bairros
que concentram moradores com rendimentos per capita de até um quarto do salário
mínimo, o índice cai para 1%.
“Os
dados, infelizmente, não trazem surpresa”, resumiu Carla Mauch, coordenadora da Organização da Sociedade Civil de Interesse Público
(OSCIP) Mais Diferenças
.
Segundo Carla, o estudo revela a invisibilidade com que o tema sempre foi
tratado, apesar dos avanços observados nos últimos anos – principalmente depois
da instalação de leis de acessibilidade e da Convenção sobre os Direitos das Pessoas
com Deficiência da ONU (2007).
“O
quadro ainda é muito ruim e as transformações são lentas, porque o mais difícil
é a mudança cultural”, disse. Carla ressalta que as ações de acessibilidade
reduzem as diferenças e contribuem para a difusão do conceito de “equiparação
de oportunidades”. A calçada, por exemplo, é o ambiente mais democrático e as
rampas serviriam não só para cadeirantes, mas também para idosos, mães com
carrinhos de bebê e pessoas com qualquer tipo de dificuldade de
locomoção.
Regiões - Os números regionais
seguem o mesmo padrão. A região Sudeste – onde o índice de urbanização é mais
elevado, com 90,5% do entorno dos domicílios com pavimentação, 87,9% com
meio-fio, 82% com calçadas e 73% com identificação das ruas – possui apenas 5%
das faces de quadra com rampas para cadeirantes.
As
regiões Sul e Centro-Oeste são as que possuem maior incidência de rampas, ambas
com (7,8%), enquanto as regiões Norte e Nordeste têm os menores índices (1,8%).
Entre os municípios com mais de 1 milhão de habitantes, Porto
Alegre se
destacou com a maior porcentagem (23,3%) e, Fortaleza, com a menor
(1,6%).
Para
o responsável pela comunicação da ONG Mobilize - Mobilidade Sustentável
,
Marcos de Sousa, além da pouca quantidade de rampas, deve-se observar a
qualidade delas. A ONG realizou um “Levantamento
das Calçadas do Brasil” em 12 capitais brasileiras, em que dá
notas para aspectos como regularidade, largura, iluminação e obstáculos. “Há
casos de rampas com um poste no meio ou com acúmulo de lixo. É indigno”, disse.
São Paulo - Na maior cidade do
Brasil, apenas 9% das ruas possuem acesso para cadeirantes. O índice causou
surpresa à deputada federal Mara Gabrilli (PSDB)
.
“Se estes 9% das rampas fossem bem feitas, já seria ótimo", afirmou.
"Mas vivendo o dia a dia, a impressão que dá é que este índice é ainda
menor”. Segundo Mara, que é cadeirante, São Paulo possui 30 mil quilômetros de
ruas asfaltadas e apenas 500 quilômetros de vias com alguma acessibilidade.
A
deputada relata que até em bairros nobres é possível se deparar com rampas
precárias, com obstáculos, degraus ou intransitáveis. “A Avenida Paulista é um
exemplo, mas no resto da cidade não é assim”.
Cadeirante,
a publicitária Julie Nakayama, de 25 anos, conta que tem percebido uma melhoria
nas ruas em relação à acessibilidade para quem tem dificuldade de locomoção. O
problema, segundo ela, é que em locais privados, como shoppings e faculdades,
há muito pouca adaptação. Entre os países que visitou, cita o Canadá com um bom
exemplo. A Argentina, por outro lado, onde faltam rampas e acessibilidade no
transporte público, é o exemplo negativo. “O Brasil está no meio”, resumiu.
Fonte: http://veja.abril.com.br/
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