Na Nova Zelândia, grupo de pais busca frear o “genocídio” de pessoas com síndrome de Down

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Rebecca Sullivan - www.savingdows.com



Enquanto a evolução da ciência avança na direção de novas terapias que poderão melhorar a qualidade de vida de milhões de pessoas com síndrome de Down em todo o mundo, como visto recentemente na matéria da revista do jornal The New York Times “Um medicamento para a síndrome de Down”, a mesma ciência põe em risco milhões de novas vidas de bebês em gestação com a trissomia.

Para fazer frente ao que qualifica como “extermínio” de bebês com síndrome de Down antes do nascimento, o grupo Savingdowns, da Nova Zelândia, entrou com queixa contra o país no Tribunal de Justiça Internacional em Haia, na Holanda.

Segundo o grupo Saving Downs, o novo programa de triagem pré-natal financiado pelo governo neozelandês identifica gravidezes de bebês com síndrome de Down que são encaminhadas para o aborto seletivo. (O aborto é permitido na Nova Zelândia)

Formado por pais e irmãos de pessoas com síndrome de Down, o Saving Downs tem a missão de defender a vida das pessoas com síndrome de Down, desde a concepção até a morte natural, para que sejam livres de qualquer forma de discriminação. O aborto seletivo é o que chamam de “cúmulo da discriminação”.

A Inclusive entrevistou Mike Sullivan, um engenheiro civil autônomo e professor de Yoga, que é o porta-voz da Savingdowns. Ele vive em Whangarei, Nova Zelândia, com a mulher Rae e Rebecca, filha de três anos que tem síndrome de Down. Mike apareceu no recente documentário “Down, mas não para fora” sobre a ameaça e os efeitos sociais que a triagem pré-natal tem representado para a comunidade de pessoas com síndrome de Down.

Por que você acha que o governo está impedindo os bebês com síndrome de Down de nascer?

Ignorância, medo, preconceito e razões econômicas. Há uma presunção falsa de que as pessoas com síndrome de Down têm menos valor e são menos humanos do que os outros. Por isso elas são direcionadas para o aborto seletivo. Esta noção é basicamente fundada na ignorância e no medo.
Em última análise, é uma questão econômica. Em um relatório para a Unidade Nacional de Triagem Neonatal da Nova Zelândia há uma passagem que é autoexplicativa “O custo econômico da triagem compensam os recursos elevados associados às necessidades de cuidados ao longo da vida de um indivíduo com síndrome de Down”. O governo investe US$ 75.000 para detectar cada bebê com síndrome de Down no útero. Quaisquer problemas médicos que podem exigir cuidados seriam detectados no pré-natal, que é centrado na vida. O governo está investindo para evitar nascimentos por razões econômicas.

Como o movimento começou?
   Tudo começou a partir de uma discussão no blog Upsideofdown iniciada por De-Anne Jensen. De-Anne é uma das co-autoras da denúncia ao Tribunal de Justiça Internacional (TPI). Esta foi a sua primeira mensagem sobre o assunto no Upsideofdown:
Eu estava em um show para famílias ontem e fui abordada por uma mulher que estava com seu filho de 9 meses de idade com ela.
   Primeiro ela me perguntou se eu estava “procurando castigo” por ter uma “criança down” e em seguida, ter outro bebê. Eu brinquei e disse: Eu adoro me manter ocupada, e o James continuava correndo em círculos e eu tentando pegá-lo (faço isso para me manter em forma…).
   Ela então me disse que teve uma “menina down”, mas decidiu não mantê-la. Então eu pensei que ela tivesse entregado a filha para adoção, mas na verdade ela foi induzida com 19 semanas e nasceu e, claro, a menina morreu. Quando eu perguntei se isso tinha acontecido na Nova Zelândia, ela disse com naturalidade: “sim, e você pagou pelo serviço” (o sistema de saúde na Nova Zelândia é público e gratuito).
   Obviamente eu fiquei sem palavras (quem me conhece sabe que isso raramente acontece). Ela então admitiu que não houvesse procurado saber muito sobre as pessoas com síndrome de Down e ainda não sabia muito sobre o assunto. Ela só sabia que aquilo não era para eles e que não era justo para com seu outro filho. Que as pessoas com síndrome de Down não têm boa qualidade de vida e que todos eles têm problemas médicos. E ela me perguntou se eu tinha algum arrependimento, é claro que eu expliquei que James foi uma das coisas mais incríveis que eu já fiz na minha vida. Ela me perguntou se James teve problemas de saúde e eu lhe disse: “apenas seu coração santo!” Ela, então, foi embora e, olhando para James, disse: “ele parece com qualquer criança de 18 meses de idade, quase normal”.
   Olhando pra trás, era quase como se ela estivesse esperando que eu a fizesse se sentir melhor pelo que ela fez. Mas na verdade aquilo me virou o estômago, porque ela estava explicando que no final das contas sua filha não tinha quaisquer problemas de saúde e ela era tão bonita e transmitia uma paz (palavras dela). Eu teria revidado mas eu estava segurando meus dois filhos e o carrinho e combinei encontrar com Lance naquele lugar, então eu não podia ir embora! Eu não tinha ideia que isso fosse permitido na Nova Zelândia!
   Agora estou com essa conversa presa na minha cabeça para sempre … e o pensamento de que esta mulher não tem ideia do que ela perdeu.
   A mensagem levou o blog para uma discussão vibrante, já que a maioria de nós não tinha ideia do que estava acontecendo. Isso acabou por dar à luz um grupo de pais que agora trabalha junto contra a seleção genética utilizada para direcionar os bebês com síndrome de Down para o aborto seletivo.

Como surgiu a ideia de ir ao Tribunal de Justiça Internacional?
   Inicialmente uma das nossas apoiadoras começou uma discussão em torno do uso da “eugenia”. Ela argumentou que era “genocídio”. “Geno” é para “constituição genética” em grego e “Cide” – latim para “matança de” – portanto, “genocídio” é a matança de pessoas com base em sua constituição genética. Então me deparei com o artigo sobre o genocídio e crimes contra a humanidade em relação às pessoas com deficiência, no e-notes, que me deu a ideia de levar o caso ao tribunal.

Baseados em quê vocês estão apelando para o Tribunal de Justiça Internacional?
   Nossos motivos são violações dos artigos 6 e 7 do Estatuto de Roma através da perseguição de um grupo identificável da população civil (aqueles com síndrome de Down, identificados por seus 3 cromossomos 21) através de medidas que impeçam o seu nascimento.
  Nosso argumento é que as pessoas com síndrome de Down são um grupo estável e permanente e, como tal, constitui o status de um grupo protegido. No acórdão do Tribunal De Justiça Internacional Akayesa, datado de 2 de setembro de 1998, relativo ao genocídio em Ruanda, a definição de um grupo protegido foi reconhecido para ser aplicado a qualquer grupo estável e permanente. O artigo 701 do referido juízo diz “A Câmara concluiu que era necessário, acima de tudo, respeitar a intenção dos redatores da Convenção sobre Genocídio, que, de acordo com trabalhos preparatórios, foi claramente de proteger qualquer grupo estável e permanente”.
   Além disso, como as pessoas com síndrome de Down são geneticamente ligadas por ter em comum um terceiro cromossomo 21 e partilhar as mesmas características físicas, podem ser definidas tanto como um grupo étnico quanto racial: nos dois casos são pessoas distinguidas com base em características genéticas e físicas comuns, segundo qualquer definição de dicionário.

Vocês tentaram falar com as autoridades da Nova Zelândia antes de recorrer ao Tribunal De Justiça Internacional?
   Vários contatos foram feitos diretamente com o Ministro da Saúde, que se recusou a reconhecer as nossas preocupações.
   A questão foi levantada formalmente através da Comissão de Direitos Humanos da Nova Zelândia, que determinou que as pessoas com síndrome de Down não são protegidas nos termos do artigo 6 do Estatuto de Roma. Depois o assunto foi levado ao Diretor para Procedimentos de Direitos Humanos da Nova Zelândia. Ele também determinou que as pessoas com síndrome de Down não são protegidas nos termos do artigo 6 do Estatuto de Roma, mas indicou que se eles estivessem protegidos pelo Estatuto de Roma, o programa de triagem que facilitasse o aborto seletivo de tal grupo com base em sua identidade seria uma violação do Estatuto de Roma.
   O Tribunal De Justiça Internacional foi convidado a se pronunciar sobre se as pessoas com síndrome de Down são protegidas como grupo permanente e estável de pessoas.

Você sabe a reação de seu governo com relação à queixa ao Tribunal Internacional? 
   Eles negam as nossas reivindicações.

O que vocês esperam com estas ações?
   Esperamos que o tribunal exija que a Nova Zelândia suspenda a prática do aborto seletivo de pessoas com síndrome de Down, conforme previsto em suas obrigações sob o Tratado de Roma.

Há adultos com síndrome de Down envolvidos na campanha? O que eles pensam sobre isso?
   Sim, mas não como signatários da queixa. Como Alex Snedden (entrevistado com síndrome de Down) disse no documentário Down, mas não fora: “Não tenham medo!”

O que defensores dos direitos humanos podem fazer para ajudar a causa?
   Visitem o nosso web site www.savingdowns.com   e a página “ajudem-nos a salvar vidas”. Fiquem amigos e “curtam” nossa página no Facebook “Saving Down Syndrome”. Ponham a boca no trombone e promovam a vida de todas as pessoas, perfeitas como elas são.

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3 comentários:

  1. Eu acho vacilo matar uma criança inocente antes mesmo dela nascer, mas tem quem seja covarde demais para fazer isso. No caso de uma criança anencéfala, pelo bem-estar da mãe e devido à inviabilidade do feto, até é perfeitamente justificável, mas essa barbaridade da Nova Zelândia é chocante.

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  2. É inaceitável isso que estão fazendo lá. São pessoas sem coração e preconceituosas. Crianças com síndrome de down são carinhosas, alegres e acima de tudo seres humanos. Espero realmente que consigam acabar com esse genocídio.

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  3. Cripple, é contraditório seu argumento em contraste com sua aceitação para o caso da criança anencéfala. Seu argumento é o mesmo utilizado no caso postado. Não se justifica assassinato com bem-estar de outrem. A vida é inviolável. Essa é uma visão utilitarista nojenta que deve ser rejeitada.

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