'Momento mágico', diz pai sobre adoção de gêmeos com deficiência
Compartilhe
Casal
não conseguia ter filhos, buscou adoção e se emocionou ao conhecer um casal de
gêmeos com 3,5 anos de idade. Família é uma exceção no Brasil.
“Foi a
melhor decisão que eu tive na minha vida”, conta a mãe da Maria Vitória. “A
minha vida seria totalmente sem graça se não tivesse eles aqui”, diz Fabiana,
mãe dos gêmeos Raíssa e Benjamin.
Essas
famílias nunca imaginaram que adotariam uma criança com deficiência.
Maria Vitória, de 2 anos, foi abandonada pelos pais biológicos e passou o
primeiro ano de vida em uma UTI. A médica Fernanda, que fazia estágio no
hospital onde a menina foi deixada, acompanhou a história de perto.
“A
Maria Vitória tem mielomelingocele, que é uma alteração da medula. Ela não mexe
as pernas. Ela tem um pouquinho de dificuldade de manter o pescocinho duro. Ela
tem outra complicação, que chama Síndrome de Arnold Chiari Tipo 2. Um dos
sintomas é dificuldade para engolir. Ela respira por um tubinho na traqueia.
Ela come por um botãozinho dentro do estômago, uma sonda”, conta Fernanda
Godoi.
Fernanda
não conseguia tirar Maria Vitória da cabeça. “A Fernanda chegava em casa e
contava: ‘Ah, mãe! Conheci uma menininha, você precisa ver, é a coisa mais
fofa' e começou a contar a história’”, revela Mônica Alves, fisioterapeuta.
“Voltava
todo final de semana para minha casa, chorava de saudade. Queria ela de volta.
‘Pai, mãe, tem uma criança abandonada’. Um dia, eles desejaram conhecê-la”,
lembra Fernanda.
“Eu
olhei pra carinha dela, ela olhou na minha cara e mandou um beijo. A gente
ficou tudo assim, bobo”, lembra a mãe da Fernanda e da Maria Vitória.
“Na
hora que minha mãe viu, falou: ‘eu quero essa criança’. “Eles estavam em outra
fase da vida. Os dois filhos criados já, podendo curtir, viajar, e, de repente,
uma criança de um aninho vindo para casa, especial”, conta Fernanda.
“Foi
tudo muito rápido. Entre a gente conhecer ela e ela vir pra casa demorou um mês
e meio”, lembra a mãe de Maria Vitória. Fernanda passou a ser irmã de Maria
Vitória. “Tudo parece que se encaixou. Foi muito incrível”, afirma Fernanda.
Casal
se surpreende ao procurar o Cadastro Nacional de Adoção
Marcos
e Fabiana não conseguiam ter filhos. “Eu falava muito para ela: 'vamos tentar
pensar de uma forma diferente. Talvez, a gente não saiba agora o porquê. Mas
tem um motivo’. Mal sabíamos o que estava vindo pela frente”, diz Marcus
Clarck, engenheiro mecânico. Veio, então, a ideia da adoção.
“No
começo, nós optamos por um filho, até dois anos de idade, menino ou menina, e
sem deficiências”, conta Fabiana. O casal procurou o Cadastro Nacional de
Adoção, e esperou por um ano, até que Fabiana foi chamada. “E eu saí de lá com
o nome de duas crianças: ‘Raíssa e Benjamin’. Que eram os meus filhos”, conta
Fabiana Clarck, engenheira química.
“Ela
começou a contar. Olha, parece que são gêmeos, três anos e meio, já era
diferente do nosso perfil”, lembra Marcus. “A gente começou de um jeito e
acabou, na prática, de um jeito totalmente diferente. A gente foi abrindo nosso
coração. A gente queria ser só pai e mãe. A gente queria ter uma família, sem
muita condição”, diz Fabiana.
Três
dias depois, foram ao abrigo onde os gêmeos viviam. Raíssa e Benjamin nasceram
com paralisia cerebral. “Eu olhei para Fabiana para ver quem iria olhar
primeiro. Fui eu. E, no momento que eu vi, no momento que eu vi, eu estava
olhando para o meu filho. Eu sabia que eu estava olhando para o meu filho. Foi
uma ligação imediata. O Benjamin abriu os bracinhos e veio no meu colo. E duas
tias que estavam lá olhando, elas ficaram emocionadas. Falei: ‘por que vocês
ficaram emocionadas?’ ‘Porque o Benjamin não vai em colo de homem. Quando ele
foi no seu colo... Ele achou o pai’”, conta Marcus, muito emocionado ao lembrar
da cena.
“Foi um
momento mágico. As deficiências das crianças, a gente quase não se importou com
isso, porque elas eram tão maiores do que aquilo. Elas se mostravam tão maiores
do que aquela deficiência, que aquilo, naquele momento, era um detalhe”, afirma
Marcus. “A Raíssa, eu achei ela a menina mais linda, a minha princesinha
tanto sonhada. Ela era perfeita”, conta Fabiana.
"A
assistente social falou: ‘Raíssa, Benjamin, o Marcus e a Fabiana querem saber
se vocês querem ser os filhinhos deles’. A Raíssa abriu um sorrisão, Benjamin
também", relata Marcus. "Foi o sorrisão mais lindo! Um sim
assim... Um sorriso tão sincero, tão feliz, que era o que ela queria”, diz
Fabiana ao chorar com a lembrança.
Problema
para o baixo número de adoções de crianças com deficiência
Essas
famílias são exceções. No Brasil, 5.673 crianças estão cadastradas para adoção.
Dessas, mais de 20%, têm, ao menos, alguma doença ou deficiência. Mas dados
recentes mostram que apenas 7,5% (33.207) dos pretendentes aceitariam crianças
nessas condições.
Para o
especialista Antônio Carlos Berlini o problema não é só o preconceito. “O
que acontece, muitas vezes, é que ninguém despertou a esse pretendente à adoção
a se abrir para um caso especial. É necessário que o próprio poder judiciário
informe a esse pretendente à adoção para essa categoria de criança”, explica o
presidente da Comissão de Direito à Adoção da OAB-SP.
“Adotar
uma criança especial, acho que assusta muito. Mas dá”, afirma
Fernanda. “Filho normal também dá trabalho. E, às vezes, muito mais”,
conta a mãe de Maria Vitória. “Tudo o que você faz pra ela tá bom. Se você
tira da cama, ela ri. Se você coloca na cama ela ri também. Tudo pra ela está
bom. Tudo pra ela é festa. Como você pode ter problema?”, diz o pai de Maria
Vitória.
Quando
questionada se sua família é tudo o que sonhou, Fabiana, mãe dos gêmeos
Raíssa e Benjamin, diz: "Ela é muito melhor do que eu podia imaginar. E o
fato de eles terem necessidades especiais, eu acho que torna tudo muito mais
especial. Cada passo que eles dão, é uma vitória, uma conquista para toda
família".
Fonte: G1