As Vozes das Mulheres Surdas
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Você deve imaginar que essa comunidade enfrenta dificuldades na comunicação até hoje, mas acreditem, já foi pior. Em 1880, no Congresso de Milão, foi proibido o uso das Línguas de Sinais na educação dos surdos. Essa barreira não fez com que eles deixassem de se comunicar por sinais, mas atrasou a difusão da língua no país. Além disso, por um bom tempo, essas pessoas tiveram que se adaptar com as línguas orais, tanto na educação quanto em seus relacionamentos. No Brasil, a Libras passou a ser reconhecida como uma língua apenas em 2002, depois de muitos anos de luta. Ainda assim, há uma grande falta de acessibilidade para pessoas surdas e deficientes auditivas tanto nos meios virtuais como nos físicos.
Mulheres surdas e a luta pelo lugar de fala
Mantendo essas informações em mente, agora vamos trazer nossa lupa para elas. Como herança do patriarcado, a fala feminina muitas vezes não é reconhecida da mesma forma que a de um homem. Tão pouco é o mesmo respeito dentro de alguns ambientes de trabalho ou lares. Mulheres surdas enfrentam ainda mais dificuldade para quebrar o silêncio e serem ouvidas. Estudos revelam que possuem 1,5 vez mais chances de serem vítimas de assédio sexual, absuso psicológico e físico, do que as ouvintes.
Uma vez vítimas de abuso, também encontram barreiras para denunciar. Segundo a página da Câmara Paulista para Inclusão da Pessoa com Deficiência, há inúmeros registros de queixas da falta de acessibilidade em Libras na Delegacia da Mulher, o que torna mais difícil a denúncia em casos de violência doméstica e outras formas de agressão. Muitas vezes a mulher surda é comparada a mulheres deficientes em um caráter macro. Porém, quando isso acontece, está também comparando-as às ouvintes, o que discrimina sua língua e cultura. Diferenciá-las é importante, pois a mulher surda que utiliza essa língua deve ter seu direito de comunicação respeitado e precisa receber as informações da maneira mais adequada para ela.
Pensando nessa problemática, foi realizada uma pesquisa buscando reunir e explorar mais a fundo esse cenário, além da necessidade de conscientização. Os dados acenderam o alerta para o fato de que muitas vezes os atendimentos nesses estabelecimentos acontecem por intérpretes de Libras em níveis básicos, quando não apenas por sinais caseiros e mímicas. Como essas mulheres se sentem ao denunciar seus agressores e não conseguirem ser propriamente compreendidas e acolhidas?
Mesmo diante desse cenário triste, atualmente existem grupos feministas de apoio às mulheres surdas, para incentivá-las a escreverem suas próprias histórias e serem ouvidas. Isso se dá por meio de manifestações culturais, como na literatura, através de narrativas autobiográficas, performances poéticas em língua de sinais, escritas sobre si e performances em slam. Alguns exemplos de livros são: Bela do Silêncio, de Brenda Costa e Ser Surda, de Sílvia Andreis-Witkoski e Rosani Suzin Santos. Você pode encontrar outras referências no artigo “Eu sou surda, tenho minha voz: leituras sobre autoria feminina surda” publicado pela Revista Criação & Crítica, que nasceu da vontade de expressar a experiência dessas pessoas que não se associam somente ao corpo feminino, mas a um corpo que “foi objeto de violências e silenciamento”.
Para enriquecer a reflexão, convidamos você a ler o poema de Catharine Moreira, mulher surda e embaixadora da Hand Talk, que reflete a discussão realizada.
SOMOS INVISÍVEIS
O vento aqui bate forte
Bate onda, bate mar, esparrama em bolhas… Bate forte…
Mas sem barulho…
Força silenciosa.
Olho só é olho se for transparente
Consegue ver?!
o pensamento se prende …..no que é mais aparente
É na voz que se eleva
É no ouvido que se sente!
O poder da orelha depende…
Olho só é olho se conseguir ver ……
realmente…
cultura, comunidade, surdez, deficiente…
Não aprende a língua
A se comunicar não aprende
Não aprende a ler
Expressão, lábios… rosto… não aprende
Sorriso
Triste
Grito
Amor
OLHA PRA MIM!
Eu não sou uma piada,
Minha língua não é uma piada,
O mundo não é perfeito,
Todo humano tem defeito.
A cultura da ignorância
em prol de uma felicidade rasa e paz de espírito
dos problemas fogem
dos defeitos fogem
da verdade fogem!
Abre logo esse olho!
Que do vazio eu grito… silencioso.
Vejo Lives sobre mulheres,
e a violência, nudez, e a violência,
olho roxo, e a violência, sangue,
e a violência, morte, e a violência,
falta de comunicação, e a violência!
Liga 180!!!
Mas, eu sou surda… e a violência
liga e fala! Central de Libras! Ufa
14 pessoas na linha como fila de espera para ser atendida…
O tempo era 2002, não tínhamos nem leis
Intérprete era luxo maior do que hoje…
O tempo era AGORA aulas online sem acessibilidade,
Abre esse olho bota legenda
Nós fomos ignorados, prejudicados e excluídos por tanto tempo.
Meu direito humano, e cidadão… por tanto tempo
Somos invisíveis em plena luz do dia!
Brincadeira de mal gosto
rejeição
surdo-muda
erros continuam agora como há 50 anos atrás.
o que realmente enxerga é o coração
O coração aqui bate forte!
Bate raiz infinita
Bate cultura e força
Bate língua tão rica em conhecimentos
TUM TUM TUM TUM (coração)
BAAAAAAAAATE!!!
Fonte: Blog Handtalk
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