O que custa caro é a exclusão de pessoas com deficiência, não a contratação

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Por Rodrigo Hübner Mendes

Nos últimos dias, fomos surpreendidos com a notícia de que o governo encaminhou ao Congresso um projeto de lei do Executivo, com pedido de urgência na votação, que visa à alteração da lei 8.213/91, a chamada "Lei de Cotas". Esse dispositivo determina que as empresas com mais de 100 funcionários devem contratar pessoas com deficiência a partir de uma lógica progressiva de percentuais, conforme o tamanho da organização. O novo projeto propõe que as empresas sejam desobrigadas a garantir vagas para esse público em troca de uma contribuição mensal de dois salários mínimos, destinada a um vago fundo voltado a reabilitação.

Em 1996, tive minha primeira experiência como pesquisador. Estava no segundo ano da graduação e recebi uma bolsa do CNPQ para investigar que impacto a lei 8.213 estava gerando no mundo corporativo brasileiro. O estudo levava à conclusão que essa legislação, quando não desconhecida, era quase sempre ignorada pelas empresas. Apenas 19% das organizações entrevistadas tinham pessoas com deficiência em suas equipes.

Passados 23 anos, temos um cenário completamente distinto, que comprova com dados concretos o poder de transformação de uma política pública implementada de forma consistente e continuada. Hoje, cerca de 480 mil pessoas com deficiência estão empregadas, exercendo seu direito ao trabalho. Empresas de diversos setores, como o Banco Itaú, a Accenture e o Magazine Luiza, têm desenvolvido programas genuinamente comprometidos com a inclusão. É claro que os desafios ainda são grandes. Especialistas apontam que muitos gestores ainda se limitam ao mero cumprimento da cota, deixando de investir no desenvolvimento da pessoa, ou seja, de fato criando condições para que o profissional evolua na carreira. Além disso, a representatividade desse público em relação ao total de trabalhadores no Brasil ainda é considerada baixa. Mas o desafio não invalida tudo que já foi conquistado.

Conforme tenho insistido nesse blog, a prática da inclusão, da convivência entre diferentes, da aceitação mútua das diversidades, representa uma mudança de estágio civilizatório. Quanto mais civilizada é uma sociedade, maior é o seu compromisso com a valorização das diferenças. Não é à toa que a maioria dos países com os mais altos índices de desenvolvimento humano enxergam a pluralidade humana como uma riqueza e tomam medidas para reduzir desigualdades sociais.

Conceitualmente, o novo projeto de lei substitui uma regra que leva à inclusão por outra pela qual se paga para não fazê-la. Representa um retorno a um passado indesejado. Um prejuízo sem precedentes sob o ponto de vista ético, social e, é bom que se destaque, econômico. Vários estudos internacionais indicam que a falta de oportunidades de trabalho para pessoas com deficiência impacta diretamente o PIB de um país devido à perda de renda potencial e aos elevados custos de assistência social que precisam ser assumidos pelo Estado. No final do dia, o que custa caro é a exclusão

Felizmente, a mobilização da sociedade civil e de lideranças no campo, como a senadora Mara Gabrilli, a jornalista Claudia Werneck e a professora de medicina Izabel Maior, resultou em um compromisso assumido pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, em não colocar esse projeto em votação durante seu mandato. E para não deixar dúvidas, reafirmo o óbvio: pessoas com deficiência, assim como quaisquer outras pessoas, almejam ter uma profissão, se desenvolver e viver com autonomia.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

Fonte: UOL

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