Adaptar é viver
Compartilhe
Desde o primeiro
Campeonato Mundial de Surf Adaptado da ISA, em 2015, Brasil conquistou duas
medalhas de ouro, representando a diversidade e inclusão
O surf brasileiro vive
um bom momento, com 11 atletas entre os 22 melhores do ranking mundial. Outra
modalidade que vem se mantendo na elite é o surf adaptado, que conquistou, pela
segunda vez consecutiva, a medalha de ouro no campeonato da ISA (International
Surf Association), na categoria por equipe. A final foi disputada em San
Diego, na Califórnia, em dezembro de 2017.
Nas provas individuais,
o Brasil conquistou 2 medalhas no feminino e 4 no masculino, com destaque para
o ouro de Alcino Neto, mais conhecido como Pirata.
Ele compete na categoria AS-2, em que os atletas geralmente possuem alguma
deficiência nos membros inferiores e, por isso, surfam agachados ou ajoelhados.
Pirata é o grande difusor da modalidade no Brasil, desde que sofreu um acidente
de moto, em 1986, e resolveu continuar surfando, mesmo sem uma das pernas. A
motivação para continuar no esporte, segundo ele, foi se manter em “união com a
natureza e com o desafio nas ondas”.
Em 1996, ele fundou
o Pirata
Surf Club no litoral de São Paulo, na praia de Pitangueiras (Guarujá),
com aulas gratuitas de surf e surf adaptado para crianças e adultos. Entre os
alunos, estão paraplégicos, pessoas com membro amputado, deficiência
intelectual e visual. Na sede também fica o Espaço Histórico do Surf Guarujá,
um pequeno museu que visa disseminar a cultura local com exposição de fotos e
pranchas antigas, incluindo as usadas nos primeiros treinos do campeão mundial
Adriano Mineirinho, que frequentou a escola.
Wellington Silva
Sales, conhecido como
“primo” do Pirata, é professor de educação física e coordenador do projeto. Ele
conta que a prática do surf adaptado exige boas condições de acessibilidade das
praias. “No Guarujá, é um pouco mais tranquilo porque a calçada é muito próxima
da areia”, explica. Além disso, podem ser necessárias rampas de acesso,
esteiras e cadeiras chamadas de “anfíbias”, que não atolam na areia e não
enferrujam.
As pranchas também
possuem diversos tamanhos e formatos, dependendo do tipo de lesão. Em geral,
são mais largas, com bastante flutuação, e podem ter alças pra pessoa segurar,
como explica o coordenador. A adaptação no surf também é comum para outros
tipos de necessidade: “Às vezes, o peso atrapalha ou a pessoa é muito
sedentária e não consegue ter uma boa mobilidade”, exemplifica.
Outro projeto, que
lançou vários atletas na modalidade, é a ONG Adapt Surf, que oferece
desde 2007 aulas gratuitas nas praias da Barra e Leblon (Rio de Janeiro). “A
gente tem ajuda de voluntários da área da saúde, professores de educação
física, pedagogos, fisioterapeutas e surfistas. São quatro ou cinco pessoas
para atender um aluno”, explica Luiz Phelipe Nobre, um dos
fundadores da ONG e técnico da seleção brasileira de surf adaptado.
Além de montar toda a
estrutura de acessibilidade, o projeto oferece consultoria para que outras
escolas possam receber alunos com deficiência. “Os objetivos principais da ONG
são desenvolver e divulgar o surf adaptado para quem tem deficiência, formar atletas
e divulgar a modalidade para que mais pessoas possam participar”, sintetiza
Luiz. Ele acredita que o sucesso da modalidade no Brasil se deve à
representatividade de Alcino Pirata, às condições ambientais e, principalmente,
climáticas. “Na Califórnia, por exemplo, faz muito frio, o que inibe pessoas
com deficiência”, exemplifica.
A Adapt Surf levou
vários atletas para o mundial da ISA, desde 2015, quando o campeonato começou.
“Fizemos uma parceria com a CBS (Confederação Brasileira de Surf) e com o
Pirata para acompanhar a equipe nesses anos”, conta o técnico. O campeonato
possui seis categorias, de acordo com o tipo de deficiência, em que os atletas
podem surfam em pé, agachados, deitados ou com assistência de um instrutor.
Nesse último caso, temos o exemplo do pequeno Davi Teixeira, de 11
anos, que possui uma síndrome rara que causa atrofiamento dos membros. Ele
conquistou a medalha de ouro, em 2016, e a prata em 2017.
A carioca Fernanda
Tolomei, de 28 anos, é surfista e psicóloga esportiva. Ela conquistou o
quarto lugar na categoria AS-1 (surf em pé) na divisão feminina, que antes não
existia. “Ano passado competimos contra homens, mas a gente se sente
injustiçada”, relata Fernanda. Por falta de patrocínio, apenas ela e a
paulistana Monique Oliveira conseguiram representar o Brasil.
O que mais emocionou Fernanda no último mundial foi a primeira medalha de ouro
que saiu para as mulheres. “A gente torcia por todas as meninas dentro d'água e
isso foi muito marcante.”
O surf tradicional vai
entrar na Olimpíada de 2020, mas o adaptado ainda está no processo para ser
incluído junto ao Comitê Paralímpico Internacional. “Talvez em 2024”, comenta
Luiz, o técnico da equipe brasileira, ressaltando que o mundial da ISA já é
feito nos moldes das Paralimpíadas. “O Brasil é bicampeão mundial, os atletas
que eu selecionei são realmente os melhores do Brasil e vários outros ficaram
de fora porque não tinha vaga na equipe”, comenta Luiz, em tom otimista. Que
eles continuem sem limites diante das ondas que virão no futuro.
Para Alcino Neto, o Pirata, os benefícios do surf adaptado envolvem "a integração com a natureza, o envolvimento com várias outras categorias de deficiência e o contato com o mar". Crédito: Divulgação |
Cadeira anfíbia é utilizada para levar pessoas com deficiência até o mar, durante as aulas oferecidas pela ONG Adapt Surf. Ela é não atola na areia e não enferruja. Crédito: Divulgação |
Surfista Davi Teixeira ficou com a medalha de prata no individual masculino do Campeonato Mundial de Surf Adaptado realizado pela ISA, em 2017. Crédito: Luana Nobre |
Fonte: Revista Trip
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Seu Comentário é muito importante para nós.