Aplicativo para smartphone quer mapear áreas acessíveis e inacessíveis de Salvador

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Alunos do colégio Edgard Santos pretendem criar empresa júnior para gerenciar a plataforma

Ao longo dos 23 anos de vida, o estudante de fisioterapia Filipe Simões conviveu quase sempre com a falta de acessibilidade de Salvador.

Salvo exceções pontuais, falta de rampas, calçadas inadequadas, portas estreitas e outros obstáculos sempre fizeram parte da rotina dele, que é cadeirante por conta de um defeito congênito que não permitiu o desenvolvimento correto da medula espinhal.

Traumáticas, essas experiências foram, no entanto, o que permitiu que Filipe fosse um dos principais consultores de um projeto digital que promete ajudar na locomoção de outras pessoas com deficiência que vivem na capital.

Trata-se do aplicativo para smartphones AMP – Acessibilidade para Todos. Desenvolvida por alunos do curso técnico em administração do Colégio Estadual Edgard Santos, no Garcia, a plataforma pretende mapear, de forma colaborativa, as áreas acessíveis e inacessíveis para pessoas com deficiência na cidade.

Além disso, explica o estudante Luan Rufino, 23, o aplicativo terá sessão para disponibilizar leis e normas de acessibilidade, um fórum para atendimento dos usuários, barra de pesquisa para buscar estabelecimentos acessíveis e geração das melhores rotas para quem tem dificuldade de locomoção.

“Nós estudamos todas essas fases já, mas as três últimas vão depender de uma adesão do público, que irá indicar essas rotas, então precisaremos que essas pessoas colaborem para funcionar”, detalha Luan.

Ele, que tem uma irmã deficiente auditiva, é um dos oito membros da turma que pensou a ideia durante as aulas do programa Oguntec, iniciativa pensada pelo Instituto Steve Biko para dar reforço em disciplinas de ciências exatas e incentivar a inovação tecnológica.

Etapas

Após aulas de programação e discussões teóricas e práticas sobre o tema, a fase atual do projeto – que já possui interface desenhada – requer a captação de patrocinadores, conta o estudante.

Com o arrecadado, eles poderiam criar uma empresa júnior no Colégio Edgard Santos, a fim de gerenciar a plataforma digital.

Um valor de R$ 2 mil já está sendo disputado pelo grupo, que apresentou o aplicativo para a companhia americana Dow Química. No entanto, os custos para colocar o produto na rua chegam a R$ 15 mil, estima o tutor da turma e estudante de arquitetura Igor Bunchaft.

“A ideia é que eles tenham autonomia para isso, então esse valor garantiria bolsa para alguns alunos e para pessoas que estão nos ajudando voluntariamente, como o professor de programação”, afirma.

Ele conta ainda que aulas sobre acessibilidade, legislação, direitos humanos e direitos das pessoas com deficiências embasaram a elaboração da proposta, que vem sendo trabalhada desde de agosto deste ano.

Impactos

As aulas teóricas do programa Oguntec, porém, começaram em abril, com o desafio de que os alunos pensassem em soluções criativas e tecnológicas para problemas do bairro.

“O fato de eles terem encontrado essa solução tem a ver com essa marca do Oguntec, de refletir sobre viver numa cidade negra e informal como Salvador. Eles, que vivem essa realidade, então pensam a partir desse lugar uma solução que, para mim, é conectada com a realidade”, acredita o tutor.

Para Filipe Simões, que contribuiu com a elaboração da ideia a partir da experiência dele na cadeira de rodas, ao indicar pontos sem guia de rebaixamento, calçadas com buracos, banheiros sem adaptação e outros problemas, o aplicativo poderá provocar alguma mudança positiva.

“Foi pensando nisso que eu participei da reunião com o pessoal e pude dar minhas contribuições”, diz ele.

Na mesma linha, o estudante Luan Rufino, um dos pensadores da plataforma digital, acredita que a ideia servirá também como uma espécie de “denúncia”.

“Isso facilitaria a vida dessas pessoas com deficiência, tirando elas de situações de transtorno, constrangimento e frustração”, defende o jovem, pedindo mais investimento do poder público na acessibilidade.

Para ele, o impacto dessas mudanças seria sentido por toda a população – e não só sobre as pessoas com dificuldade de locomoção.

“É algo que acaba melhorando a vida destas pessoas, mas também a nossa, tornando a cidade mais acessível para todos”, ensina.

DATA MARCA A LUTA PELA INCLUSÃO

Nascido com artrogripose congênita, um tipo de paralisia infantil que ocorre ainda no período da gravidez, o poeta e estudante de letras da Universidade Federal da Bahia (Ufba) Tiago Correia, 25 anos, vive sem grandes dificuldades de locomoção em Salvador.

Por causa do processo de reabilitação iniciado desde cedo e da ânsia por independência que possui, ele faz quase tudo sozinho, exceto calçar os sapatos.

Apesar disso, convive com outras pessoas com deficiências mais graves que, por causa disso, sentem as dificuldades da falta de acessibilidade em espaços públicos e privados.

Por isso, neste domingo, no Dia Internacional da Pessoa com Deficiência, o principal pedido feito por Tiago é o de “uma cidade mais inclusiva para todos”.

“É importante fazer da cidade a extensão de nossos lares. E as pessoas precisam tratar umas às outras com respeito. Somos pessoas com necessidades especiais, mas isso não significa que não sejamos capazes de circular na cidade sozinhos e adentrar qualquer estabelecimento”, defende Tiago.

Ele acredita, ainda, que a presença dessas pessoas nos espaços de educação primária é essencial para a inclusão. Só assim, afirma o estudante de letras, elas poderão acessar outros lugares, como a universidade.

“Deve existir na vida dessas crianças parceria entre pais e escola. Só a partir disso, do apoio inicial, na base, nós conseguiremos, anos mais tarde, alcançar as grandes universidades públicas. E, mais tarde ainda, ocupar espaços nunca preenchidos por nós”, analisa.

Balanço da luta

Militando nessa área há muitas décadas, a presidente da Associação Baiana dos Deficientes Físicos (Abadef), Luiza Câmara, avalia que a luta do grupo obteve “conquistas importantes” ao longo desses anos.

Por isso, afirma ela, a data dedicada às pessoas com deficiência deve ser, sim, comemorada. “Essa data reflete os avanços que foram concebidos pelas lutas de todos os segmentos de pessoas com deficiência, sem distinções”, acredita.

A inclusão no mercado do trabalho e em espaços como a universidade é um desses avanços, lista Luiza Câmara, aos 70 anos.

“Embora não exista ainda a cidadania plena, a dignidade total, houve avanços. Eu sou do tempo em que deficiente não saía de casa, era escondido pela família e impedido de sair sozinho”, relembra ela, que pede mais investimento em acessibilidade na cidade. É com esse mote, por exemplo, que o bloco de Carnaval da Abadef deve ir às ruas no próximo ano, conta ela.


Fonte: A Tarde por Yuri Silva com fotos de Joá Souza e Margarida Neide.

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