Redação do Enem: especialistas em educação de surdos sugerem argumentos para o texto
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Tema é motivo de comemoração por estudiosos
do tema. Professores ouvintes e surdos expõem suas ideias.
O tema da redação do Exame Nacional do Ensino
Médio (Enem) 2017, “Desafios
para a formação educacional de surdos no Brasil”, acompanhou a importância
que a prova passou a dar aos alunos surdos – pela primeira vez, há a versão em
vídeo para os candidatos que não são ouvintes.
"Ser o tema do Enem é uma forma de
expandir a discussão para todos os alunos. Os surdos devem fazer parte da
sociedade e ter consciência disso é parte importante do processo", afirma
Cyntia Teixeira, doutoranda da PUC-SP e professora no Instituto Federal de São
Paulo.
O G1 entrevistou
especialistas no assunto para entender quais os tópicos que poderiam ser
abordados no texto.
Carência de intérpretes
O primeiro ponto ressaltado é o diagnóstico
do sistema educacional do Brasil. “Existe a carência de intérpretes capacitados
para atuar em escolas e universidades, por exemplo. A formação costuma ser
generalista”, afirma Carla Sparano, intérprete da Língua Brasileira de Sinais
(Libras) e doutoranda em Linguística Aplicada e Estudos de Linguagem na PUC-SP.
O professor Everton Pessôa de Oliveira,
tradutor-intérprete de Libras-português, explica que a formação desses
profissionais costuma ocorrer em ambientes informais, como em espaços
religiosos e familiares.
Resistência à inclusão
Everton reforça que, apesar de a legislação
proibir, há escolas particulares que negam a matrícula de crianças surdas ou
cobram taxas extras da família para que seja contratado um professor bilíngue
ou intérprete.
“E nas públicas, o quadro não é diferente: a
lei não é sempre cumprida. Dou aula no município de Mauá (SP) e lá temos um
intérprete de Libras para cada aluno surdo. Mas isso é exceção: não ocorre em
todas as escolas municipais, muito menos nas estaduais”, afirma.
Compreensão equivocada do conceito de incluir
É importante ressaltar que incluir vai muito
além de aceitar a matrícula do aluno com deficiência. A mera presença da
criança surda na escola não garante que ela esteja incluída. É preciso adaptar
atividades e investir na formação de docentes, por exemplo, além de reforçar a
relação entre escola, família e comunidade.
“O professor necessita compreender as
necessidades do aluno surdo, entender que é preciso investir em uma pedagogia
mais visual. Não dá para aplicar uma atividade separada para o aluno com
deficiência. É preciso adaptar as tarefas para a sala inteira”, diz Carla
Sparano.
A importância do coletivo
Cyntia Teixeira diz que a educação dos surdos
não deve ser uma preocupação apenas da comunidade deles. É preciso que o
coletivo se mobilize para aprender a dominar Libras. “Se fosse uma preocupação
de todos desde a infância, a inclusão no mercado de trabalho deixaria de ser um
obstáculo, por exemplo”, afirma.
Uma das propostas de intervenção na redação
poderia ser essa, inclusive: a disciplina de Libras só existe nas licenciaturas
e nos cursos de pedagogia e de fonoaudiologia, segundo o decreto nº 5626, de
2005. “Mesmo nesses casos, é mais uma reflexão sobre o assunto que um
aprendizado”, diz o professor Everton. “Deveria existir uma formação desde a
escola e em todas as graduações.”
Escolas inclusivas x escolas bilíngues
Existem especialistas que defendem a
importância das escolas bilíngues (Libras-português) exclusivas para surdos –
em vez de apostarem na inclusão em colégios regulares.
“A política de inclusão vale para cegos,
cadeirantes ou pessoas com deficiência intelectual, que compartilham a mesma
língua: o português. Eles necessitam de adaptações de conteúdo ou
arquitetônicas no prédio, por exemplo. No caso dos surdos, a grosso modo, o que
deve ser oferecido é a educação na língua em que eles falam: Libras”, explica
Daniela Takara, professora em uma escola municipal bilíngue em São Paulo.
“O que é necessário para um surdo obter
sucesso escolar é um lugar onde as pessoas consigam de fato se comunicar com
ele e, a partir da discussão, trocar informação, construir conhecimento. O
português está para o surdo assim como inglês está para nós. É a segunda
língua”, completa.
Karin Strobel é surda, professora de
Libras-Letras na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e autora do
livro "As imagens do outro sobre a cultura surda". Ela concorda com a
importância da criação de escolas bilíngues para a primeira etapa de ensino –
só depois de dominarem Libras é que os alunos deveriam ser incluídos nas
escolas regulares. “A contratação dos intérpretes em escolas regulares é
importante para os adolescentes, no ensino médio, por exemplo. Mas em ensino infantil
e fundamental, é preciso introduzir Libras, investir na pedagogia visual, nos
materiais didáticos próprios para eles”, explica.
“Tenho um filho surdo que estudou em escolas
inclusivas da prefeitura e do Estado, mas os professores eram despreparados.
Aos 11 anos, ele está agora com professores bilíngues e colegas surdos,
aprendendo de verdade”, conta.
Fonte: G1
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