Mulheres viraram empresárias para mudar a vida de minorias
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Luiza Belloni, Brasil Post
A própria condição motivou Carolina Ignarra (à esquerda) a criar a consultoria em 2008 |
São
Paulo - O Brasil é um país de empreendedores. Um estudo do Data Popular aponta
que três em cada 10 brasileiros pensam em ser patrões.
As
motivações para tocar o próprio negócio geralmente giram em torno do dinheiro.
Os brasileiros buscam empreender não porque sentem que têm o dom para os
negócios ou porque querem ajudar, de alguma forma, a sociedade.
Com
a crise econômica, aumento do desemprego e achatamento dos salários, eles
procuram ocupações mais rentáveis.
Mais
de 42% querem abrir o próprio negócio com a intenção de ganhar mais e crescer
profissionalmente. A pesquisa foi feita entre abril e maio deste ano, em 140
municípios do País.
Há
aqueles empresários, porém, que não colocam a grana no topo de suas
prioridades. É o caso das quatro empreendedoras que o HuffPost Brasil
entrevistou para esta reportagem.
Para
elas, o que está à frente do lucro é mudar ou ajudar, de alguma forma, pessoas
que sempre estiveram à margem. Da moda, dos padrões de beleza convencionais, do
que é tachado por aí de "normal".
Myriam
e as mulheres com câncer de mama
Foi
com esse pensamento que a empreendedora Myriam Sanchez decidiu criar a Mama
Amiga, loja de roupas íntimas para mulheres que passaram pela mastectomia
(retirada da mama).
Myriam
abriu o negócio depois de sua prima ser diagnosticada com câncer de mama e
precisar se submeter a uma operação como essa aos 30 anos.
“Buscamos
produtos em diversos estados brasileiros, sem sucesso. Portanto, decidimos
confeccioná-los e surgiu a Mama Amiga”, contou.
Apesar
de o câncer de mama ser um dos mais comuns entre as mulheres, segundo o Inca
(Instituto Nacional do Câncer), não havia no Brasil à época peças para quem
passava pelo tratamento.
Ela
abriu em 1985 a loja que venderia peças exclusivamente para essas mulheres em
São Paulo.
Hoje,
o estabelecimento oferece sutiãs, camisetes, maiôs, biquínis, calcinhas e
camisolas para todos os bolsos. Ela também vende próteses mamárias nacionais e
importadas.
“A
diferença é que os produtos comercializados por outras empresas não têm esse
suporte para a prótese mamária, e, quando têm, alguns muitas vezes acabam
danificando as próteses de silicone.”
Ela
diz que o diferencial da Mama Amiga é criar moldes atuais, com cores modernas e
com rendas, entre outras opções de customização do produto.
Para
isso, ela trabalha tanto com peças confeccionadas em grande escala quanto com
peças mais exclusivas, feitas artesanalmente.
Apesar
de não ter uma renda fixa mensal com a loja, a Mama Amiga é a menina dos olhos
da dona Myriam.
Aos
66 anos, ela acredita que sua missão sempre foi ajudar o próximo. “Sou
assistente social de formação e aqui renovo minha missão diariamente. Temos
clientes de longa data que são consideradas amigas.”
Uma
das maiores satisfações, segundo a empreendedora, é ver a mudança na autoestima
de suas clientes:
“Muitas
mulheres chegam à loja com baixa autoestima, às vezes até choram ao se olhar no
espelho pelo fato de se sentirem abaladas com a perda da mama. Aqui na Mama
Amiga, parece que ocorre uma transformação, elas vão experimentando diversos
produtos e vendo que existe um lugar onde elas podem fazer as pazes com a
feminilidade, encontrando produtos diferenciados e até sexy. Portanto, saem de
cabeça erguida e com um sorriso no olhar.”
Carolina
e as pessoas com deficiência
O
negócio criado e comandado por Carolina Ignarra trata da inclusão de pessoas
com deficiência física e/ou intelectual no mercado de trabalho. Por isso, sua
consultoria especializada leva no nome o verbo da mudança: Talento Incluir.
Sua
própria condição a motivou a criar a consultoria em 2008 em São Paulo. Sete
anos antes, Carolina sofreu um acidente de moto e virou cadeirante.
Ela
tinha acabado de se formar em educação física. “Três meses depois do acidente,
quando eu achava que eu estava inválida, minha gestora me convidou para voltar
ao trabalho.”
Aos
poucos, Carolina voltou a dar aulas de ginástica laboral, e a procura das
empresas pelo seu trabalho começou a aumentar — mas não da forma que ela
gostaria.
“As
empresas queriam me contratar, fazendo propostas que não combinavam com meu
perfil”, conta. “Entendi que elas, pressionadas pela Lei de Cotas, queriam
contratar deficiências e não profissionais.”
Foi
nesse período que ela percebeu que poderia investir em um negócio que
conseguisse integrar as competências dos profissionais com deficiência com as
necessidades reais das empresas que querem cumprir a Lei de Cotas.
Hoje,
a consultoria desenvolve as empresas e os talentos interessados no sucesso
dessa relação.
Segundo
Carolina, a maior dificuldade do dia a dia é incentivar a mudança da imagem da
pessoa com deficiência, tanto na visão do mercado de trabalho como do próprio
profissional:
“Muitas
pessoas com deficiência foram paternalizadas e sentem-se pressionadas demais
pelo competitivo mercado de trabalho. Tentamos desenvolver o comportamento das
pessoas para atuação com mais igualdade na sociedade.”
Carolina
estima que mais de 1.000 profissionais com deficiência já passaram pela
consultoria. Um deles marcou a trajetória da empreendedora:
“Incluímos
um rapaz com deficiência intelectual que era homossexual. Talvez esse tenha
sido o mais marcante, pois ele não tem intelecto preservado para falar da homossexualidade
dele de forma discreta. Por isso, precisamos preparar a equipe dele para
evitarmos exclusão e preconceitos pelos dois motivos. E foi um sucesso o
relacionamento interpessoal no trabalho dele. É muito gratificante.”
Com
sete anos de mercado, a Talento Incluir já atendeu mais de 300 empresas, como
Itaú, Santander, Carrefour, Grupo Pão de Açúcar, Duratex e Gol Linhas Aéreas.
Com
um mercado crescente — o IBGE estima que o Brasil tenha 45,6 milhões de
brasileiros com algum tipo de deficiência — e poucas empresas que prestam tal
serviço, Carolina diz que a crise não chegou à sua firma.
“Estamos
fazendo um ótimo ano, com faturamento até acima do esperado. Para o próximo
ano, vamos inovar para atender demandas dos Jogos Paralímpicos do Rio de
Janeiro”, finaliza a empreendedora.
Andrea
e as gordinhas
Mirar
no público que não está nos holofotes da maioria das confecções rendeu sucesso
profissional a Andrea Vasques, dona da Andrea Vasques Moda Plus Size. Sua
motivação para criar o negócio foi não encontrar lingeries bonitas e sexy para
ela mesma.
“Estava
acima do peso e não achava lingeries bonitas, só comprava nas cores básicas,
principalmente na cor bege. Comecei a investigar e vi que não tinha
distribuidores, apenas um que vendia lingeries básicas. Foi então que nasceu a
ideia.”
Depois
de muita procura, Andrea encontrou um distribuidor com opções diferenciadas.
“Comprei lingeries de renda, de cores variadas e estampas lindíssimas, e
percebemos que as mulheres com sobrepeso não estão acostumadas com essas
opções. Muitas diziam: ‘isso é pra mim? Tem o meu tamanho?’”, lembra.
A
empresária começou a vender em 2010 as lingeries sexy em feiras de bairros de
Brasília, onde vive. “Depois de investirmos em lingeries e espartilhos,
ampliamos para lingeries do dia a dia e, depois, para outras peças.”
Dois
anos e meio depois, Andrea abriu a própria loja com preços acessíveis. “Tem
sutiãs de R$ 70 a R$ 210.”
Os
produtos seguem a moda e têm características específicas para as mulheres com
sobrepeso. Os sutiãs, por exemplo, têm alças mais largas e reforçadas.
Mas
o principal trabalho na loja não é a busca pelos melhores modelos ou vendas mas
sim da autoestima das clientes.
“Existe
o público que procura e não acha. Mas existe outro que acha que só pode usar
lingeries quando emagrecer. Um trabalho que a gente faz é mostrar que qualquer
uma pode usar o que quiser e se sentir bonita assim.”
Segundo
Andrea, é um trabalho de formiguinha: novas clientes entram, não acham que a
peça vai ficar bem nelas, e é preciso convencê-las a experimentarem.
“Elas
vão se permitindo." Os planos para o futuro incluem entrar no e-commerce
para atender mulheres de todo o País.
Dariene
e os cadeirantes
Estar
na moda chega a ser um detalhe quando você não consegue encontrar roupas que
nem sequer se adaptam à sua condição física.
Essa
é a realidade de milhares de brasileiros com deficiência — e a principal razão
para a fisioterapeuta Dariene Rodrigues ter criado a Lado B Moda Inclusiva,
loja virtual que produz peças exclusivas para esse público.
Ainda
quando exercia sua profissão, Dariene já sentia a necessidade de peças mais
acessíveis para seus pacientes:
“Trabalho
há 15 anos com pessoas com algum tipo de deficiência física, como cadeirante,
que usa próteses, têm partes do corpo amputadas. Eles sempre reclamavam das roupas.
Sem muita opção, usavam moletons e eles próprios tinham de fazer adaptações.”
Antes
de imaginar ter a própria empresa, uma das poucas que existem no Brasil,
Dariene rabiscou em 2012 um modelo de calça que seria interessante para seus
pacientes.
Ela
procurou uma modelista para recriar o desenho, que era uma calça com
adaptações, com uma abertura frontal com velcro para facilitar o cateterismo.
Tratava-se do primeiro modelo da futura Lado B Moda Inclusiva.
A
calça caiu no gosto dos pacientes, e ela começou a apostar em outros produtos.
“Fizemos bermudas e outras peças, além de ampliar o leque de deficiências”,
conta. A loja foi aberta em 2013.
As
peças foram ficando cada vez mais adaptadas, conta a fisioterapeuta e
empresária.
“Fizemos
calças e bermudas com cós com elástico, para quem usa fralda, além da abertura
na frente e abertura com velcro nas laterais, para a pessoa conseguir retirar a
calça ainda deitada, com facilidade de vestir e despir.”
Dariene
conta que a maior dificuldade é aliar o conforto com a tecnologia têxtil.
Muitos produtos, por exemplo, imitam o jeans, mas são tecidos mais agradáveis.
“Tentamos unir a funcionalidade com o conforto para facilitar a vida deles.”
Hoje,
a empresa tem sede em Sorocaba, São Paulo, e conta com produção artesanal, com
preços que variam de R$ 140 a R$ 170.
Os
negócios cresceram tanto que a ordem é expandir para todo o Brasil. Ainda para
este ano, a loja virtual vai abrir a opção de microfranquia online para quem
quiser empreender em outros estados.
“Daremos
preferência aos empresários deficientes que queiram levar a marca para outras
regiões. Isso vai diminuir o custo de operação e incentivar o empreendedorismo
em um público que entende as preferências do cliente”, explica.
Fonte: Exame
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