Oportunidade Perdida
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Por Marcos Weiss Bliacheris
A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, também chamada de Estatuto da Pessoa com Deficiência, inovou ao estabelecer margem de preferência vinculada à contratação de pessoas com deficiência nas licitações públicas.
O Estado brasileiro compra e contrata mediante
licitações públicas com condições fixadas em lei. A utilização do poder
de compra do Estado para implementar políticas públicas e para incentivar
comportamentos ambientalmente corretos e socialmente justos, sem descuidar da
viabilidade econômica, é uma das características da Administração Pública do
século XXI.
No Brasil, as licitações têm sido utilizadas para
promover a agricultura familiar, as micro e pequenas empresas, na proteção ao
trabalho do menor entre outros objetivos. A Lei de Licitações já previa,
desde 1994, a possibilidade de contratação direta de associação de portadores
de deficiência física para a prestação de serviços ou fornecimento de
mão-de-obra.
As licitações também podem ser utilizadas como uma
forma de fortalecer setores vulneráveis da sociedade. A África do Sul vem
utilizando as licitações públicas para o fortalecimento da economia negra. No
Brasil, as licitações para concessões florestais estimulam a contratação de
mulheres e trabalhadores locais e o incremento da economia local.
Considerando a condição de vulnerabilidade social e
econômica das pessoas com deficiência, vários países adotam mecanismo que
beneficiam as empresas ou entidades que as empregam. Os exemplos vão desde a
União Europeia até nossos vizinhos sul-americanos.
Assim, a Lei 13.146, passados mais de vinte anos
daquele primeiro passo dado em 1994, estabeleceu nova relação entre as pessoas
com deficiências e as compras públicas.
Por ela, “nos processos de licitação, poderá ser
estabelecida margem de preferência para bens produzidos ou serviços
prestados por empresas que comprovem que cumprem a reserva de cargos prevista
em lei para pessoa com deficiência ou para reabilitado da Previdência Social.”
Essas empresas devem também atender as regras de acessibilidade previstas na
legislação.
Essa margem de preferência será regulamentada em um
Decreto, não podendo ser aplicada desde já.
Agora, porque lamentar a oportunidade perdida? Por que,
após vinte anos, demos um salto tímido, pequeno.
Primeiramente, será uma opção do gestor público, não
uma obrigação.
A norma tem um alcance limitado, pois dirige-se apenas
às empresas com mais de 100 empregados. Infelizmente, a Presidente vetou o
artigo que abria vagas para pessoas com deficiência nas empresas com 50 a 99
empregados.
Por último, a norma apenas beneficia quem cumpre a Lei.
Essa timidez é surpreendente. As licitações que procuram resultados sociais
buscam um desempenho melhor que a média do mercado, não o simples cumprimento
da lei. Trata-se de um avanço muito pequeno premiar quem cumpre a lei.
Espera-se que quem não cumpre a lei seja punido e premia-se quem cumpre além da
lei.
Alternativas existem, sim. E esperamos que nossos
representantes não fiquem somente nesta tentativa quase envergonhada de
estimular a inserção de pessoas com deficiência no mercado do trabalho.
Nos países da União Europeia, temos as oficinas protegidas
(termo utilizado em Portugal), empresas com pelo menos metade dos trabalhadores
com deficiência que podem ser contratados em condições especiais. Há a
possibilidade de licitações em que somente estas empresas participem ou a
destinação de um percentual de contratações para essas contratações.
Mas não precisamos ir tão longe, no Chile, temos
reserva de 10% para motoristas com deficiência nas licitações para licenças de
táxi. Critérios que beneficiam empresas que empregam pessoas com deficiência são
encontrados na legislação de outros países latino americanos como México e
Colômbia.
Deve-se destacar o pioneirismo argentino que, desde
1981, estabelece a instalação de pequenas lojas, quiosques, em locais e órgãos
públicos, com prioridade de exploração por pessoas com deficiência.
Desconsiderando a rivalidade, que deve ficar no campo de futebol, é uma boa
iniciativa a ser copiada. Quantas vezes necessitamos de água ou de um pequeno
serviço em um órgão público e temos de sair de lá procurando algum lugar que o
ofereça? Que haja esse espaço e seja possibilitada sua exploração para alguém
que quer trabalhar seria uma iniciativa louvável.
Desse quadro, aprendemos que há caminhos possíveis de
serem trilhados. Que o passo ora dado, pequeno, seja o primeiro. E que seja em
direção a uma vida mais digna, que só o trabalho e a convivência em sociedade
permitem.
(Marcos Weiss Bliacheris é advogado e autor dos
livros ”Sustentabilidade na Administração Pública – Valores e Práticas de
Gestão Socioambiental” e “Panorama de Licitações Sustentáveis – Direito e
Gestão Pública”)
Fonte: Inclusive
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