Uma reflexão sobre planos de saúde e direitos das pessoas com deficiência.
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Sabe-se que o reajuste da
mensalidade de planos de saúde por mudança de faixa etária fere o Estatuto do
Idoso (lei 10741/03). Em seu artigo 15, parágrafo 3º, lê-se que está vedada a
discriminação do idoso nos planos de saúde pela cobrança de valores
diferenciados em razão da idade.
Numa manobra das operadoras
dos planos de saúde, contudo, o tema também foi regulamentado pela resolução 63
da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que definiu os limites a serem
respeitados para a adoção de preço por faixa etária nos planos privados de
saúde contratados a partir de 2004. Para eles, não pode haver aumento a partir
dos 60 (sessenta) anos.
Nesse sentido, de acordo com a ANS, antes de atingir essa idade, o consumidor pode
sofrer aumento por mudança de faixa etária.
Maquiavelicamente, instituíram
10 faixas etárias que variam de 0 a 58 anos, deixando as pessoas que completam
59 anos, um ano antes de ser consideradas idosas e sem que possam ser
enquadradas no Estatuto do Idoso, expostas às correções abusivas nos valores
das mensalidades e a mercê de interesses espúrios dessas famigeradas operadoras
de planos de saúde.
Ainda que o reajuste aos 59
anos encontre respaldo no ordenamento legal vigente, ele será nulo quando verificada
abusividade e excessiva onerosidade para as pessoas. No caso de pessoa com
deficiência, mais grave ainda, por desconsiderar que as mesmas têm
características específicas de dependência sensorial/funcional, com substantiva
necessidade de arcar com despesas adicionais para contratação de
acompanhante/cuidador, essenciais para ajudar no desempenho das atividades
cotidianas.
Destarte, admitir tão elevado
aumento em idade crítica significaria, sobretudo, inviabilizar a continuidade
do contrato por parte do consumidor, após longos anos de contribuição, o que, à
luz da Constituição Federal, não se admite. Menos admissível à pessoa com
deficiência, cujo processo de reabilitação deve ser de longo prazo e de custos
elevados, sob pena de graves comprometimentos ósseos, articulares, musculares,
auditivos, visuais, etc.
Importante destacar que, de
acordo com o artigo 6º, III e IV, do Código de Defesa do Consumidor (CDC), o
consumidor tem direito à informação adequada e clara sobre os diferentes
serviços, com especificação correta de características como qualidade e preço,
sobre os riscos que apresentem, bem como à proteção contra a publicidade
enganosa e abusiva. Da mesma forma, contra práticas e cláusulas abusivas ou
impostas no fornecimento de produtos e serviços. O artigo 46 prevê que os
contratos que regulam as relações de consumo não podem obrigar os consumidores
se não lhes é dada a chance de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo ou se
forem redigidos de maneira a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.
Uma vez imposta ao consumidor tal prática abusiva, resta-lhe recorrer ao
Judiciário para, com base no Código de Defesa do Consumidor, afastar tais
reajustes.
As ações judiciais, inclusive,
encontram apoio na jurisprudência para respaldar o questionamento contra
reajustes abusivos nos planos de saúde, a exemplo do emitido pelo Tribunal de
Justiça de São Paulo (Apelação Cível nº 0070305-70.2010.8.26.0224).
Lamentavelmente, o que se
constata na vida prática não é bem isso, as coisas transcorrem em letárgico
ritmo, frequentemente, favoráveis às operadoras de planos de saúde. Dando voz a
inúmeros pares, registro minha experiência para ilustrar o que ocorre nos
bastidores desse injusto, desigual e desumano embate.
Cliente da UNIMED há anos,
quando completei 59 anos, recebi um mês após, boleto com reajuste
substancialmente abusivo. Entrei em contato com a operadora e me foi informado
que constituía regra e vigoraria a partir de então, exceto se optasse por
abandonar o plano. Tentei contra-argumentar, mas não me deram ouvidos.
Indignado, acionei a justiça através de advogado particular, paguei taxa custas
processuais, aguardei três anos para receber a sentença, obviamente, pagando as
mensalidades absurdas, para não ficar sem atendimento de saúde e de
reabilitação. Para minha surpresa, de requerente/solicitante passei a condição
de réu, pois, o magistrado, sequer me convocou para ver averiguar a situação em
seu aspecto humanitário, ouvir a parte mais vulnerável do processo, permitir me
apresentar idoso e cadeirante, consequentemnte, com mais despesas para
sobreviver com dignidade.
Como bem pontua Roberta Cruz
da Silva, no Manual dos Direitos da Pessoa com Deficiência, Ed. Saraiva, 2012,
o direito à saúde – além de qualificar-se como direito fundamental que assiste
a todas as pessoas – representa consequência constitucional indissociável do
direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de
sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se
indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que
por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional.
Para complicar mais ainda meu cotidiano, por determinação judicial, tive
bloqueados em três contas bancárias valores que me impediram de pagar despesas
correntes, embora um dos bloqueios suprisse valor estipulado pela sentença,
enquanto os demais ocorreram por limitações do sistema, segundo informaram.
Como admitir limitações do sistema, quando a tecnologia digital dispõe de
instrumentos para transmissão de dados e imagens, inclusive de outros planetas?
Quanto descuidado, inversão de
valores, autoritarismo. Será mesmo tão difícil o reconhecimento de que os
objetos que constituem processos judiciais envolvem também pessoas de bem e com
direitos de se manifestar, além dos advogados que as representem? Afinal, muito
precisa ser mudado na conjuntura da sociedade brasileira, em particular, na
esfera judicial.
Enquanto a mídia nos apresenta
diariamente bandos de corruptos livres, de bolsos cheios e abastadas contas
bancárias em paraísos fiscais mundo afora, circulando impunes, num cenário de
falta de merenda escolar, do sucateamento da saúde, entre outras farras com
recursos públicos, a imagem da deusa Têmis mantém-se convenientemente de olhos
vendados com uma balança na mão a pender para o lado mais forte.
Fonte: Wiliam machado
- saci.org.br e Blog APNEN Nova Odessa