Tetraplégico, campeão do Once Caldas teve sonho interrompido
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Luis Fernando
Montoya, treinador que venceu a Libertadores pelo time colombiano em 2004,
perdeu no mesmo ano os movimentos do pescoço para baixo após levar dois tiros
na coluna
Luis Fernando Montoya |
Imagine chegar ao
ápice de sua carreira com apenas quatro anos de trabalho. Ser reconhecido em
todo o seu país como uma das principais figuras de sua área de atuação.
Concorrer à glória máxima de sua profissão. E dias depois, ver tudo isso
desabar por uma tragédia que mudaria para sempre a sua vida. Esse é o resumo da
história de Luis Fernando Montoya, técnico que comandou o surpreendente Once
Caldas no título da Libertadores de 2004, superando Santos, São Paulo e Boca
Juniors, e, dias depois de disputar o Mundial Interclubes, ficou tetraplégico
após levar dois tiros.
Foi em 22 de
dezembro de 2004 que a vida de Montoya mudou. Ao tentar defender a mulher de um
assalto em sua casa em Caldas, na Colômbia, foi alvejado com dois disparos na
coluna vertebral. O diagnóstico: quadriplegia incurável. A princípio, a própria
sobrevivência era improvável, segundo os médicos. Quando ficou fora de perigo
de morte, ele ouviu que teria que passar o resto de seus dias dependente de um
ventilador mecânico e de um marca-passo para viver, e dificilmente conseguiria
falar. Hoje, aos 57 anos, Luis Fernando vive, fala, não depende de aparelhos e
consegue leves movimentos com mãos e pés.
"Temos que
aceitar e considerar que o passado já passou", diz Montoya, que ainda vive
na mesma casa de campo, em entrevista ao Terra, por telefone. "Aceitar que
agora a vida é totalmente diferente para mim e levá-la bem. Tenho que pensar em
minha recuperação. Temos que lutar até o final, com sentimento."
A determinação para
superar sua deficiência fez com que o homem apelidado de "Profe"
–abreviação de "professor", pelo conhecimento e paixão pelo futebol –
ganhasse outra alcunha, hoje até mais relacionada com ele: "El Campeón de la
Vida". A melhora contínua e a incapacidade de desistir de Montoya se
tornaram inspiração para todas as pessoas que vivem em condições semelhantes na
Colômbia. Mas ele minimiza o fato de ser um exemplo a ser seguido.
"Eu sempre
considero que tanto os futebolistas quando os diretores dos clubes, e todo o
pessoal que tem a ver com futebol, têm que dar um bom exemplo ao público. Têm
que sempre fazer o melhor. Porque é todo um país, é todo o futuro de um país
que estão representando", afirma o ex-treinador, que não se vê como uma
daquelas figuras "super-heroicas" que comumente são criadas no
esporte. Hoje, ele encara seu "acidente", como costuma se referir ao
fato que mudou sua vida, apenas como mais um episódio. Algo que poderia ter
acontecido com qualquer um.
Mas é nítido que
Luis Fernando se sente bem mais à vontade quando o assunto é sua grande paixão:
futebol. Ainda que nos últimos tempos tenha se afastado um pouco do meio –
mesmo após a tragédia de 2004, ele chegou a contribuir com análises e artigos
para publicações esportivas da Colômbia –, o ex-técnico fala com desenvoltura
sobre o jogo, e deixa claro que suas limitações são apenas físicas. Mentalmente,
ele é o mesmo "Profe" de sempre.
A atual geração do
futebol colombiano? "São jogadores muito bons, mas o mais importante é que
possuem o conceito de responsabilidade e compromisso de defender as cores do
país". Acha que o futebol sul-americano está atrás do europeu? "Não
podemos nos comparar. Somo sul-americanos, nosso futebol é talento, alegria,
criatividade, algo que encanta a torcida. Os europeus são mais rápidos e
pulsantes, mas contratam os talentos sul-americanos para que deem alegria ao jogo".
Sobre o futebol
brasileiro, Montoya é só elogios. Ele tem lembranças boas das vitórias sobre
Santos e São Paulo naquela Libertadores de 2004, e não consegue definir qual
adversário foi mais difícil na campanha. "O Santos era um time bem
talentoso, com craques como Robinho, Diego... e o São Paulo com um grande
técnico como Cuca, muito bem dirigido, e com jogadores do nível de Luís Fabiano
e Rogério Ceni. Para mim seria impossível escolher um. Mas os dois times me
trataram muito bem, e me apaixonei pelo Brasil", recorda.
Apesar de lidar bem
com sua condição atual, Montoya não nega que seus sonhos no futebol foram
interrompidos bruscamente. Em 2004, o então treinador tinha apenas quatro anos
de carreira – começou em 2001, no Atlético Nacional, e estava desde 2003 no
Once Caldas, tendo sido já na segunda temporada campeão colombiano e da
Libertadores. Sem ter sido jogador profissional, ele trilhava um caminho que
poderia ter culminado em dirigir sua seleção em uma Copa do Mundo.
"Sempre sonhei
primeiro em ganhar a Copa Libertadores. Depois disso, pensava em ir para a
Europa ou algum país da América do Sul, como Argentina ou Brasil, que me
chamavam muito a atenção. Queria aprender mais, atualizar meus conceitos,
valorizar tudo que fiz, para então ter as condições de assumir mais tarde uma
seleção colombiana. Era um plano que tinha", admite.
Sua última partida
como técnico, porém, foi a derrota nos pênaltis para o Porto na final do
Mundial de 2004, e hoje suas motivações são outras. A última conquista de Luis
Fernando foi voltar a dirigir, sozinho, em um carro especialmente adaptado.
Para um homem que já ergueu o cobiçado troféu da principal competição
sul-americana, o que o move atualmente são esses pequenos avanços – além dos
detalhes da vida que podem passar despercebidos para quem não tem a visão de
mundo que hoje tem Montoya.
"(O que me faz
viver) é a motivação dar o exemplo ao meu filho, pode dialogar, falar com ele.
É poder escutar a minha esposa. Graças a Deus estou vivo, e isso é o mais
importante".
Luis Fernando conversa com jornalistas japoneses durante o Mundial Interclubes 2004, dias antes de ser baleado
Foto: Toru Yamanaka / AFP
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Montoya ganhou o apelido de "Campeão da Vida" por sua luta incessante pela recuperação
Foto: Gerardo Gómez / AFP
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Fonte: Terra