Só 7,5% não fazem restrição a criança com doença ou deficiência ao adotar
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Dos
33.207 pretendentes no cadastro nacional, 30.705 barram condição. Hoje, 22% das
crianças disponíveis têm alguma doença ou deficiência.
Apenas 2.502 dos 33.207 pretendentes à adoção no país não fazem restrição a
crianças com algum tipo de deficiência ou doença, o que representa
7,5% do total. É o que mostram dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ),
obtidos com exclusividade pelo G1.
Existem hoje 5.699
crianças disponíveis no Cadastro Nacional de Adoção. Do total, 1.256 (ou 22%) têm
algum tipo de doença ou deficiência.
Para tentar aproximar os
dois grupos, há um ano foi sancionada pelo governo uma lei, a 12.955/14, que
prioriza os processos de adoção de crianças com deficiência ou doenças
crônicas. Para Antonio Carlos Berlini, presidente da Comissão Especial de
Direito à Adoção da OAB-SP, no entanto, nada mudou.
“Embora a lei obrigue
uma tramitação rápida, são raríssimos os pretendentes que se dispõem a adotar
uma criança com essas características. O percentual já é baixo, e não quer
dizer que na hora que estes sejam chamados a adoção se concretize. Às vezes, os
pretendentes conhecem a criança e não se sentem prontos.”
Em 2014, apenas 26
crianças com alguma doença ou deficiência acabaram adotadas – o número não tem
sido muito diferente desde a implementação do cadastro, em 2008. Em 2013, foram
seis; em 2012, 24.
“Não é preconceito.
Falta informação e falta formação aos pretendentes à adoção. Embora o artigo 50
do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) diga que é necessária a capacitação,
por vezes ela é dada superficialmente pelas varas de Infância e Juventude. Isso
porque elas não têm estrutura nem pessoal capacitado para levar essa mensagem
da prioridade que essas crianças têm sobre todas as outras. Falta alargar o
horizonte do pretendente à adoção, mostrando que há crianças mais
necessitadas”, afirma Berlini.
Para o presidente da
comissão especial da OAB-SP, é preciso fazer uma “busca ativa”. “Não dá para
esperar que com o preenchimento de um formulário em um balcão seja possível
encontrar famílias para estas crianças que mais precisam. É preciso refinar
mais a busca dentro do próprio cadastro.”
A presidente da
Associação Nacional dos Grupos de Apoio à Adoção (Angaad), Suzana Schettini,
concorda. “Um dos papéis dos grupos de adoção é justamente esse: procurar
famílias para essas crianças, ajudar nessa busca. Mas isso não significa que
seja algo fácil ou que a gente encontre.”
Suzana diz que a adoção
de uma criança com deficiência envolve diversos fatores. “Não é só uma questão
de querer, mas, sim, de poder, no sentido psicológico e financeiro.
Infelizmente, as condições de saúde pública no país são muito precárias e,
dependendo da dificuldade da criança, são necessárias terapias, consultas
médicas diversas. É também um percurso bastante diferente, que exige pais
disponíveis e com muita afetividade.”
Barreiras
Apesar do número de pretendentes ser maior que o de crianças disponíveis,
inclusive os que aceitam algum tipo de deficiência ou doença, há outros
pré-requisitos impostos pelos pais que dificultam o processo.
Do total de
pretendentes, só 20% aceitam adotar mais de uma criança. Quase 38% das crianças,
por sua vez, aguardam no cadastro junto de um irmão. Cerca de 70% só querem
crianças de até 3 anos de idade, mas apenas 4% delas possuem essa faixa etária.
‘Maior presente da vida’
Mãe adotiva de Matheus, de 16 anos, Suzana Schettini diz que esse era um de
seus projetos de vida. Ela já tinha duas filhas biológicas quando partiu em
busca de mais um filho. “Eu estava divorciada, já tinha 42 anos. Estava me
aposentando, com a vida financeira resolvida, tranquila psicologicamente e com
muita disponibilidade.”
Sem fazer qualquer
restrição – a não ser para irmãos –, foi contatada quando surgiu um bebê, que
teve uma lesão cerebral durante um parto difícil, no qual perdeu a mãe. “Quando
me ligaram e perguntaram se eu queria conhecer, eu já disse que era meu filho e
comecei a chorar. Pediram para eu falar com o pediatra na segunda para ele
explicar a situação direitinho antes. Era uma sexta. Mas eu não consegui
esperar. Fui na instituição de acolhimento e, no momento em que o peguei no
colo, me tornei mãe dele, de alma, espírito e coração. Foi o maior presente da
minha vida.”
Suzana diz que foi uma
adoção “consciente” e, por isso, o filho nunca se tornou “um peso”. “Ele teve
um histórico de convulsões, foi hospitalizado 11 vezes. Foi uma trajetória de
sobressaltos, mas sempre me organizei e nunca deixei de fazer nada após a
chegada dele. Ele vai à escola e me acompanha em eventos e viagens. Está
socializado.”
Antes de Suzana adotar
Matheus, outras 13 famílias foram conhecê-lo, mas desistiram do ato. “Eu acho,
na verdade, que elas foram responsáveis. Viram que não estavam prontas. Filho é
para a vida toda.”
‘Paixões à primeira
vista’
A dona de casa Carla Cristina Penteado, de 42 anos, fez mais do que adotar três
crianças – todas com alguma deficiência. Percebendo o abismo que separa as
crianças dos pretendentes a pais, criou um grupo de apoio batizado de ATE
(Adoção Tardia e Especial). Em oito anos, conseguiu fazer com que mais de 80
crianças com deficiência de todas as idades fossem acolhidas.
Segundo ela, um dos principais
problemas hoje é o fato de o cadastro não distinguir especificamente qual a
deficiência ou a doença das crianças. “Uma deficiência física severa abarca
desde um acamado até um cego. Só que a situação dos dois é muito diferente. Se
não fosse isso, ia ter o dobro de pessoas aptas à adoção dessas crianças no
cadastro”, afirma.
Mãe de Marcela, de 12
anos, que tem paralisa cerebral, de Luana, de 7, que tem síndrome de Down, e de
Rafaela, 4, que é cadeirante, Carla resume em uma frase o que a fez adotar as
três filhas: “Foram todas paixões à primeira vista”.