Rapaz sem membros desafia limites de doença com uma rotina agitada
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David
Cesar, de 25 anos, trabalha, estuda e gosta de bater uma bolinha de vez em
quando. Nas horas de folga, ele vai aos jogos do Atlético-MG, seu time do
coração, e sai com os amigos. Não é raro ver David nas pistas de boates em Belo
Horizonte. Já esteve “enrolado” com algumas garotas, mas, por enquanto, nada de
namoro. “Tive uns relacionamentos aí, mas nenhum sério”, diz.
A vida do rapaz é
igual a de qualquer outro jovem de 25 anos. A diferença é que ele é portador da
Síndrome de Hanhart, uma doença rara que se caracteriza pela ausência completa
ou de parte dos braços, pernas ou dedos.
“Eu só percebi que
era deficiente físico quando estava na 4ª série. Um aluno que me perguntou:
‘Por que você é assim?’. Cheguei com esse dilema em casa, e minha mãe me disse: ‘David, vamos conversar?’.
Foi aí que caiu a ficha”, conta o estudante. Segundo ele, a escola, coordenada
por freiras, sempre optou pela inclusão e fazia um trabalho de orientação com
as crianças.
Mas aceitar a
síndrome não foi fácil. Aos 15 anos, David admite que chegou a se questionar e
começou a pesquisar a doença a fundo. “Adolescência, né? Cheguei em um
conflito. Será que eu seria capaz de ter uma namorada? Me perguntei: ‘O quê que
eu tenho?’ Comecei a pesquisar, perguntei para o meu médico e ele disse: ‘Você
tem Síndrome de Hanhart’. Pesquisei sobre a síndrome e descobri que, na época,
só seis pessoas no mundo tinham isso. Eu olhei para o céu e disse: ‘Ô Deus,
muito obrigado! Eu sou sortudo demais, viu'”(risos).
David consegue
caminhar com apenas parte das pernas, mas ele também se locomove com a ajuda de uma cadeira de rodas motorizada. “Eu me
viro. Vou de ônibus para o estágio e depois tem faculdade à noite. Meu dia é
bem corrido”, disse. David está no 8º período do curso de direito e trabalha no
Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente Autor de Ato Infracional
(CIA/BH).
“Primeiro dia de
trabalho foi igual bater um pênalti. Quando dei de cara com a tela em stand by
com a mensagem ‘para efetuar o login aperte crtl+alt+del’ foi aquele suspense.
Eu aperto ctrl com o meu ‘toquinho’, o alt com a língua e o del com o nariz.
Quando meu chefe viu aquilo ele disse: ‘Se consegue fazer o ctrl+alt+del, consegue
fazer tudo'”, brinca o estudante. “Mas eu ainda não me encontrei como
profissional”, desabafa David, que já chegou a trancar o curso de jornalismo.
“Adoro rádio. Meu sonho era narrar jogos de futebol”, revela.
David pode não ter
seguido a carreira nos estúdios, mas já se firmou como palestrante em Belo
Horizonte e no interior. Há um ano, ele começou a falar sobre sua experiência
em empresas, cursos e igrejas. “Já fiz mais de 50 palestras. Taí uma coisa que
me dá prazer de fazer. É através desse trabalho que consigo bancar a
faculdade”, explica.
Quem o encorajou foi
o advogado Marcos Rossi, outro portador da Síndrome de Hanhart. Ele mora em São
Paulo, é pai de dois filhos e ainda é surfista. Quem também inspirou David foi
o australiano Nick Vujicic, autor de livros como “Uma Vida Sem Limites –
Inspiração Para Uma Vida Absurdamente Boa”, “Superação” e “Indomável”. “Ele
veio a Belo Horizonte no ano passado.
Assisti a palestra
dele. Muito bacana”, conta David.
Independência
Atividades simples do
cotidiano, como trocar de roupa, poderiam ser obstáculos para David. Porém, ele
mesmo diz que não há nada que não consiga fazer. “Eu só preciso de ajuda na
hora de fechar o zíper (risos)”. David consegue tirar o celular do bolso e
atender ligações. Ele ainda nada e sai da piscina com facilidade.
Façanha mesmo é ser
capaz de comer por conta própria. Com a ajuda do “toquinho”, David aproxima a
colher do prato e a coloca na comida com a ajuda do queixo. Com o maxilar bem
próximo, ele “arrasta” a colher com da parte do braço e consegue levar o
alimento a boca sem ajuda de ninguém. “Antes eu amarrava a colher no
‘toquinho’, mas agora já consigo levar a comida na boca sem isso. Uso o maxilar
e pronto. Agora estou aprendendo a comer de garfo (risos)”, explica. Destrancar
a porta de casa também poderia parecer difícil, mas David conta que tira de
letra. “Quase não fica gente no apartamento. Eu giro a chave com a boca e entro
na boa”, conta.
David quer continuar
investindo nas palestras e trabalhar em uma ONG no futuro. “A minha história
não é de superação porque eu tenho ausência dos membros superiores e
inferiores. Eu podia ter uma história de comodismo até. Mas eu acho que a
superação, que a vontade de conquistar as coisas, vem da vontade de viver, e é
o que eu passo. A minha energia é uma vontade indomável de achar o novo, buscar
o que eu não vivi ainda”, diz David.
Síndrome de Hanhart
De acordo com o
geneticista Sérgio Pena, a Síndrome de Hanhart (que ganhou este nome do
cientista que passou a estudar a doença nos anos 50) é um distúrbio do
desenvolvimento do feto. A síndrome não é causada por uma herança genética.
Estudos indicam que problemas vasculares durante a gravidez estão ligados à
doença, porém a medicina ainda não desvendou quais são os fatores que levam a
essas alterações.
A mãe de David Cesar
não teve nenhuma complicação deste tipo na gestação, mas enfrentou uma
pneumonia. Porém, segundo estudos, isso não teria influencia na aparição da
Síndrome de Hanhart.
Assista o
vídeo: http://zip.net/bpqjv1
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