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Luzia de Paula: “Ninguém se lembra da acessibilidade artística e cultural, como se a pessoa com deficiência não desenvolvesse sua sensibilidade na área das artes”

Um projeto de lei pode assegurar a reserva de cota de 5% para artistas com deficiência na programação de eventos culturais promovidos ou patrocinados com recursos públicos do Distrito Federal. Esse é o objetivo da deputada distrital Luzia de Paula, do Partido Ecológico Nacional (PEN51), autora do projeto de lei nº 1.412/2013 que visa, ainda, garantir tratamento prioritário a esses artistas, de forma que eles tenham condições plenas de exibir seu talento, e possibilitar sua inserção social e cultural. Além disso, a propositura busca respeitar uma determinação do artigo 2º da Lei Orgânica do DF, o qual diz que ninguém será discriminado ou prejudicado em razão de deficiência física, imunológica, sensorial ou mental.

Luzia conta que sempre procurou incentivar a arte e a cultura. “Faz parte da minha história de vida. Por isso, convivo de perto com as dificuldades dos artistas com deficiência para mostrar seu talento, sua criatividade. Sendo assim, aproveitei uma reivindicação da Ordem dos Músicos do Brasil, seção do Distrito Federal (OMB/DF). O tesoureiro da entidade, Anapolino Barbosa da Silva, foi até meu gabinete parlamentar sugerir a proposição de uma norma como essa. Não pensei duas vezes. Conversei com minha assessoria e recomendei a elaboração do projeto, com a orientação que ele deveria caminhar em consonância com os interesses dos artistas com deficiência, que, por sua vez, acreditaram e hipotecaram total apoio. Um dos principais diferenciais da minha proposta é que ela cria diretamente a cota, sem submissão às conveniências do Estado”, relembra.

Para Anapolino, a aprovação do projeto de lei será extremamente importante. “A música é a forma de exteriorizar o que sentimos. É a maneira de mostrar a todos que as pessoas com deficiência não são coitadinhas. Somos obrigados a matar um leão por dia e isso significa muito na nossa vida. A OMB/DF tem, em seu cadastro, 200 músicos com deficiência e, por esse motivo, procuramos a deputada Luzia de Paula, no sentido de criar o projeto de lei.”

Ele cita os grupos Zaktar, Surdodum, Tonalidade Especial, Toque Mágico, Dona Gracinha do Acordeom, Matuskella, Ariôsto e seu Teclado como destaques que contam com músicos com deficiência. “Essas bandas sensibilizam as pessoas por meio de ritmos quentes, como o samba, a salsa ou o forró, e o bom e leve som da bossa nova, da MPB e do jazz. Mesmo com as dificuldades, elas, juntas, têm por objetivo levar cultura às pessoas. Em suas apresentações, cantam, tocam instrumentos, dançam e agitam, com irreverência e carisma.”

A deputada ressalta a importância de se preocupar com a cultura. “Falamos muito em acessibilidade para as pessoas com deficiência, sobretudo nas vias públicas e edificações, com a construção de rampas, doação de cadeiras de rodas e outros equipamentos destinados a facilitar a locomoção. Não resta dúvida que isso é extremamente importante, mas ninguém se lembra da acessibilidade artística e cultural, como se a pessoa com deficiência não desenvolvesse sua sensibilidade na área das artes”, afirma Luzia.

“É uma reivindicação antiga, pois falta espaço para os músicos com deficiência se apresentarem nos eventos culturais”
Kleber Krispim, músico

A parlamentar diz ser obrigação do Estado assegurar as condições adequadas para que os artistas com deficiência possam produzir e mostrar sua arte. “A administração pública aplica milhões em atividades artísticas e culturais. Custa destinar um pouco do espaço nos eventos para os artistas com deficiência, remunerando-os dignamente por isso?”, questiona. “O governo do Distrito Federal deve investir, em 2014, algo em torno de R$ 142 milhões em arte e cultura, que eu ainda acho muito pouco, mas que representa um investimento de R$ 51 per capita (maior do Brasil), tendo por base uma população de 2,8 milhões de habitantes. Em meu entendimento, não há razão para que, desse montante, não sejam destinados R$ 7 milhões para os artistas com deficiência, de maneira que eles possam levar a sua arte a todos os cantos do Distrito Federal. Leonardo da Vinci nos ensinou que ‘a arte diz o indizível, exprime o inexprimível e traduz o intraduzível’.”

RECEPTIVIDADE

Luzia assegura que a receptividade de seus colegas de Casa foi positiva: “O Legislativo do Distrito Federal sempre foi muito sensível às iniciativas que buscam amparar ou incentivar o desenvolvimento de projetos sociais e culturais. Por isso, não tenho qualquer dúvida de que a proposta será exitosa quando da sua apreciação pelo colegiado”.

Ela ressalta que todos os tipos de deficiência e manifestações culturais estão contemplados na proposta. “Tudo que for fomentado com recursos públicos deverá, após a aprovação do projeto, contar com a participação de artista com deficiência em sua programação.” Em relação aos critérios para a definição de quem poderá ser beneficiado, ela explica: “O artista com deficiência, para participar dos projetos culturais por meio do sistema de cota, terá que se encontrar inscrito no cadastro de entes e agentes culturais da Secretaria de Cultura do Distrito Federal, apenas isso”.

O projeto de lei está em tramitação desde o ano passado. “A proposta já foi aprovada pela Comissão de Assuntos Sociais e, agora, aguarda parecer da Comissão de Educação, Saúde e Cultura, para, depois, ser submetido à apreciação da Comissão de Constituição e Justiça. Com isso, acredito que, devido ao compromisso dos parlamentares distritais com a cultura e com as pessoas com deficiência, ela será aprovada ainda em 2014.”

Luzia é suplente e estava exercendo o mandato quando propôs o projeto de lei. Ela explica que o fato de ter deixado o Legislativo não vai interferir na tramitação do projeto. “A situação não muda, especialmente porque o titular do mandato, o deputado Alírio Neto, além de grande amigo, ator e presidente do meu partido, é um homem de rara sensibilidade e comprometido com as causas sociais”.

A autora do projeto de lei não crê na tese de que os artistas com deficiência, regra geral, não tenham espaço para mostrar seu trabalho em função de discriminação social. “Não acredito que o problema maior tenha relação com preconceito, e sim com a dificuldade de os artistas procurarem a consecução de seus direitos, bem com a falta de sensibilidade do Estado em vê-los como entes sensíveis artisticamente e capazes de produzir coisas belíssimas.”

Luzia não teme uma reação contrária à sua proposta, mesmo que muitas pessoas rejeitem o formato de cotas em outras situações, como para negros em universidades e, até mesmo, para pessoas com deficiência no mercado de trabalho. “De forma alguma. A coisa mais bela que o ser humano produz é a arte. Observemos o legado que nos foi deixado por Beethoven, Antônio Francisco Lisboa (Aleijadinho), Luiz de Camões e tantos outros que não permitiram que a deficiência física comprometesse o processo criativo.”

Ribamar: “Tenho muita esperança de que, com a aprovação do projeto de lei da deputada, esse cenário possa ser alterado”

EXPECTATIVA

Os músicos de Brasília estão aguardando com muita expectativa a aprovação do projeto de lei que visa dar mais espaço àqueles que têm deficiência nas atividades culturais financiadas por verbas públicas. Vítima de poliomielite, Kleber Krispim, 50 anos, é contrabaixista e cantor, há 25 anos, da Matuskella, tradicional banda de rock de Brasília.

“Eu, particularmente, sempre sofri discriminações e preconceito nos lugares pelos quais a banda passava. Isso incomodava muito a todos. Com essa abertura de inclusão social e projetos como o da deputada, parece que as coisas vão mudar, não só nos propiciando igualdade cultural e musical, mas também o acesso físico e moral.”

Ele conta que a iniciativa ganha mais importância na medida em que combate, justamente, essa discriminação e atende o clamor da categoria. “É uma reivindicação antiga, pois falta espaço para os músicos com deficiência se apresentarem nos eventos culturais.”

Aos 60 anos, José Ribamar Souza Filho também critica a atual falta de disponibilidade nos espetáculos culturais financiados pelo poder público do Distrito Federal. Vítima de uma paraplegia que o obriga a utilizar muletas para se locomover, é percussionista, compositor e vocalista da banda Tonalidade Especial.

“Sou conselheiro da Ordem dos Músicos e posso garantir que não há espaço para trabalharmos. Tentamos, sempre, algum contato com as autoridades, para debatermos a questão. Mas nunca somos atendidos. Sei que há verbas disponíveis para isso, mas não sei o que fazem com o dinheiro. Não há projetos que contemplem os músicos com deficiência. Além disso, quando existe a possibilidade de nos apresentarmos, a burocracia é tanta que quando conseguimos toda a papelada que nos pedem já passou o dia do evento. Afirmo que é preconceito puro. Por isso, tenho muita esperança de que, com a aprovação do projeto de lei da deputada, esse cenário possa ser alterado.”

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