Expedições às cegas
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Um casal de deficientes visuais
conhece quinze cavernas em dois anos e revela os bastidores das aventuras
Uma expedição, um dia, quem sabe.
Desde que seus dedos percorreram um texto em braile em uma aula da infância,
Priscila desejou conhecer uma caverna.
Seu pai disse que a levaria, mas nunca
pode. Priscila terminou a escola, cursou psicologia, foi trabalhar em uma
multinacional e começou a namorar com o também deficiente visual Luiz Eduardo,
que desenvolve softwares para cegos.
Se casaram em 2010. Dois dias antes de
embarcarem para a lua de mel, uma colega de trabalho de Priscila viu um hotel
fazenda na internet. “Pri, olha só, lá eles fazem passeios pra cavernas”.
“Cavernas!”, seus ouvidos brilharam.
Priscila cancelou a ida ao outro hotel que já haviam reservado e partiu com
Luiz para o Vale do Ribeira, região ao sul do estado de São Paulo que concentra
um grande número de cavernas.
Os dois receberam o kit fornecido a
todos os visitantes, composto por capacete, cajado de bambu e lanterna.
“Lanterna?”, pergunto. “Se a gente cai em algum lugar, a luz ajuda a nos
encontrarem”, explicou Luiz, que até então nunca havia pensado em visitar uma
caverna.
Os dois seguraram nos braços de seus
respectivos guias e entraram na primeira das quinze cavernas que explorariam em
pouco mais de dois anos (Duas em Minas Gerais e as demais no Vale do Ribeira).
Sentado ao lado de Priscila no sofá do
apartamento onde moram em São Caetano do Sul, Luiz lembra com humor da primeira
aventura: “Não esperava que a Priscila fosse me jogar no buraco logo depois de
casado!”
Estiveram em cavernas secas, molhadas,
e naquelas com aranhas e Morcegos. Também já visitaram uma caverna estruturada
com corrimão e passarela. Mas eles preferem mesmo aquelas sem acessibilidade,
pois querem entrar na água, rastejar nas passagens estreitas, sentir o revoar
dos morcegos, pisarem na lama e tocar sempre que possível nos espeleotemas,
estruturas milenares que revestem as cavernas. Para saberem o formato de tudo
aquilo que o tato não alcança, contam com a descrição dos guias.
A caverna Agua Suja, no Vale do
Ribeira, foi a mais marcante para Luiz. A delicadeza de sua natural decoração,
esculpida sem pressa pelo tempo, cativou seus sentidos. “Ela me lembra um pouco
de algo que eu não conheço nesse mundo.”
Priscila se encantou pela Ouro Grosso,
também no Vale do Ribeira. “Nela a gente entra se rastejando por um buraquinho
achando que não vai ter nada lá. Depois você sai em um espaço amplo e mais pra
frente dá de cara com uma cachoeira, com todo aquele barulho de água. É bem
louco!”
“Então vocês curtem mais essas
cavernas molhadas?”. “Sim, nelas a gente nada e não tem o risco de cair”,
explica Luiz. “É diferente, é mais emocionante!”, completa Priscila.
Outro diferencial desse tipo de
caverna que impressiona o casal é o ecoar das águas, que dá a impressão de uma
conversa. “Em uma caverna parecia que havia um monte de mulher falando da
novela”, compara Priscila, que acredita que a falta da visão “contribui para
que eles percebam essas metáforas.”
Fora um tombo sem importância de Luiz,
os dois nunca se machucaram. “A gente sai das cavernas e vai se esborrachar no quarto
do hotel!”, brinca Luiz.
Para compartilharem suas aventuras,
criaram o blog Diário de Bordo: WWW.domvirt.com.br/blog. Um dos posts, sobre
uma das visitas que fizeram à caverna do Guardião, no Vale do Ribeira, traz o
seguinte trecho escrito por Luiz:
“Chegamos a uma parte onde precisamos
usar o quinto apoio, ou seja, descer sentados mesmo porque estava muito
escorregadio e ao nosso lado havia uma queda de uns dois metros”. Não é muito
alta, mas eu não queria cair lá em baixo... Terminamos a descida e novamente
ficamos em um salão diferente. Nem preciso falar que de vez em quando surgia um
morcego de sei lá onde e indo sei lá para onde... Na nossa frente havia duas
rochas de uns dois metros de largura, com uns 20 centímetros
De altura lembrando duas fatias de pão
de forma (...).”
Antes de se infiltrarem nas cavernas,
Luiz e Priscila tocam um capacete no outro, um cumprimento de boa sorte. Quando
saem, querem saber onde está a próxima caverna que explorarão. Sabem que
nenhuma será igual à outra. “Cada caverna que visitamos é sempre a primeira”,
define Luiz. Para o futuro, planejam conhecer as cavernas da Chapada
Diamantina, na Bahia, e as de Bonito, no Mato Grosso do sul.
Dentro das cavernas, os medos de
Priscila e Luiz se perdem entre os espeleotemas. Os morcegos são amigos. As
aranhas, que apavoravam Luiz quando ele enxergava, agora são indiferentes. “Eu
passo a mão em paredes que elas podem estar. A gente tem que respeitar e não
temer, é só conviver sem atrapalhar”, esclarece Luiz.
Nem o fato de que pessoas já morreram
ao visitarem cavernas faz eles darem meia-volta. Com o máximo de segurança, os
riscos ficam menores”, acredita Priscila. Luiz, por sua vez, tem uma filosofia
de vida: “Eu não tenho medo de morrer. Tenho sim medo de não viver.”
(Publicado na Revista Sentidos, edição
79, novembro de 2013.)
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