Surdos oralizados
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Por: Frederico Rios
De vez em quando, alguém me pergunta
o que é um surdo oralizado.
Afinal, todo mundo já ouviu falar de surdos que se
comunicam por sinais (e até acham que isso é comum de todo deficiente auditivo)
e de gente que ouve usando aqueles aparelhos pendurados na orelha.
Por conta dessa falta de divulgação sobre o nosso
grupo, dos surdos oralizados, decidi que precisava fazer um blog contando a
minha experiência, o "Desculpe, Não Ouvi!".
Minha preocupação principal era esclarecer sobre a diversidade que existe entre
as pessoas que têm essa deficiência.
Atualmente, com a divulgação da Libras, muita gente
fica deslumbrada com a Língua de Sinais e acha que este idioma é comum a todo
deficiente auditivo. A Libras é um idioma belíssimo e reconhecido oficialmente
como segundo idioma oficial do Brasil, mas ela não contempla as necessidades de
todo deficiente auditivo.
Essa idéia de que deficiente auditivo é sempre
sinônimo de Libras ocorre muito porque, quando se aborda o tema da deficiência
auditiva, rapidamente se vem à mente o estereótipo (e o termo errado) do
surdo-mudo. Alguém que não fala, porque não ouve. E se não ouve, não poderia
falar e, por isso a solução para se comunicar é a Libras.
Existem vários tipos pessoas que convivem com a
limitação auditiva. Há quem consiga driblar a deficiência com aparelhos
auditivos comuns. A pessoa vai lá, coloca um aparelhinho na orelha, passa a
ouvir com essa ajuda e resolve tudo. Essas pessoas são chamadas de deficientes
auditivos e, normalmente, possuem perda em grau leve ou moderado.
Mas existe também quem tenha deficiência auditiva
severa e/ou profunda e não faça uso da Língua de Sinais. Pessoas com
deficiência auditiva que, apesar de não ouvirem nem mesmo com aparelhos, falam
normalmente (ainda que com sotaque típico) e se comunicam valendo-se da leitura
labial. São pessoas que perderam a audição depois da aquisição da fala através
da audição (também chamados de surdos pós-linguais) ou cujos pais acreditaram
na oralização através da fonoterapia. O que os diferencia dos deficientes
auditivos de graus mais leves é justamente o fato de serem incapazes de
discriminar a fala auditivamente, mesmo utilizando próteses auditivas. O termo
usado para referir-se a essas pessoas, é surdo oralizado.
Os surdos oralizados, em geral, não costumam ter
muito interesse pela língua de sinais, porque a língua que se tornou natural é
o idioma comum, no caso do Brasil, o português.Quando um surdo fala português
oral e Libras, é chamado de bilíngüe ou bimodal.
Como os Surdos Oralizados são comumente confundidos
com deficientes auditivos, já que conversam normalmente, muitas vezes, têm
direitos e necessidades negados. Embora um surdo oralizado não negue as
necessidades dos surdos que não são oralizados e respeite a Libras, ele também
precisa de algumas adaptações para si.
Não adianta deduzir que todo deficiente auditivo
sabe a língua de sinais e achar que basta por si só. Um surdo oralizado
dificilmente vai entender uma janela com interprete de Libras na televisão, uma
vez que não domina esse idioma. Um surdo oralizado precisa de legenda, porque
geralmente tem facilidade de leitura e tem o português como base lingüística.
Um surdo oralizado não quer um interprete de Libras numa palestra (a
alternativa seria um interprete oralista, que traduza o que é
falado, mas oralmente), mas quer sentar numa posição que lhe dê boa
visibilidade do palestrante. Um surdo oralizado quer apenas um pouco de
paciência e boa vontade do interlocutor, para falar com calma e de forma
natural, sempre virado pra ele.
Muita gente acha que é obrigação de um deficiente
auditivo aprender a língua de sinais, numa tentativa de homogeneizar a
deficiência. Só que isso é um desrespeito à individualidade e à diversidade. Se
o primeiro idioma que eu aprendi foi o português, é meu direito como cidadã
brasileira tê-lo como primeiro (e até único) idioma. Não é porque uma parcela
de deficientes auditivos usa a língua de sinais – que pra eles é útil e
absolutamente necessária – que toda pessoa com déficit auditivo tem obrigação
de utilizar esse idioma no dia a dia. Seria a mesma coisa que forçar todo
deficiente físico, à revelia das suas condições, a usar cadeira de rodas e
ponto. Rejeitar-se-ia o uso do andador, da muleta, das próteses e órtoses.
Reduzindo todo e qualquer deficiente físico a cadeirante, sob alegação de que
assim, é mais fácil fazer adaptações.
A leitura labial é uma forma de comunicação
aceitável sim! Muita gente consegue se virar bem com ela. A leitura pode até
não ser uma copia fiel da audição, mas é uma forma de comunicação tão válida
quanto a audição ou a língua de sinais.
E todo surdo que quiser falar oralmente, tem o
direito de se expressar dessa forma, mesmo que a voz dele tenha um sotaque
característico de quem usa, no lugar do feedback auditivo, a vibração e
ressonância óssea como controle de voz.
Atualmente, existe também a opção de um surdo
oralizado ou não, que não consegue ouvir com aparelhos convencionais, recorrer
ao implante coclear – um aparelho especial, inserido parcialmente por cirurgia,
que permite recuperar boa parte da audição perdida ou ausente, reproduzindo
artificialmente a estimulação do som natural, diretamente na cóclea – e passam
a se comunicar ainda mais por via sonora. Nesses casos, os usuários do IC são
chamados de “implantados”.
O implante coclear possui duas partes, uma interna
e outra externa, que só funcionam em conjunto. Ele nos devolve parte da audição
e permite a percepção maravilhosa do universo sonoro. Nem sempre o aparelho
convencional tem potência suficiente para permitir que um deficiente auditivo
ouça, por exemplo, o som da campainha, do interfone ou o miado do seu gatinho
de estimação.
Mas, é importante lembrar que o Implante Coclear
não cura a deficiência auditiva. Um surdo não deixa de ser surdo porque usa o
IC, uma vez que ele só ouve quando usa também a parte externa do aparelho.
Portanto, mesmo um surdo implantado continua sendo parte da diversidade dessa
deficiência.
Nem todo mundo consegue chegar a compreender
plenamente a fala através do implante. Varia muito conforme a idade em que foi
feito o IC e o tempo em que se permaneceu ensurdecido. Mas, certamente, permite
que se quebre o silêncio em casos de surdez severa e profunda. E ouvir não se
limita a usar a audição para se comunicar. O universo sonoro é muitíssimo rico
e vasto, fazendo com que “ouvir”, mesmo que de forma artificial, seja uma
experiência maravilhosa.
É sobre essas experiências de surda oralizada e,
atualmente, implantada, que relato em meu blog.
Numa época que se fala tanto em diversidade, em
inclusão e em respeito à individualidade, as pessoas precisam conhecer todos os
tipos de integrantes do vasto universo da deficiência auditiva, além de
respeitar as necessidades intrínsecas e características de cada grupo, sem se
sobrepor ou negligenciar as necessidades dos demais. Há espaço suficiente para
todos!
Lak Lobato
Twitter: @LakL
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