Preso fica cego e tetraplégico após tortura por agentes penitenciários
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Um preso que
estava "íntegro e capaz fisicamente" ficou cego e tetraplégico após
ser torturado em Rio Branco (AC), dentro do presídio federal Antonio Amaro
Alves, de segurança máxima. Seis agentes penitenciários são acusados de
golpeá-lo com uma marreta de borracha, usada normalmente por lanterneiros e
borracheiros.
Faz 56 dias que
Wesley Ferreira da Silva, de 27 anos, encontra-se prostrado no leito 72 do
Hospital de Urgência e Emergência de Rio Branco (Huerb). Cego e com lesões no
cérebro e na coluna, ele contou que os agentes penitenciários, além da marreta
de borracha, usaram spray de pimenta e aplicaram chutes e socos nele e em
outros dois presos.
Médicos,
enfermeiros, assistentes sociais e agentes penitenciários estiveram empenhados
durante quase dois meses em abafar o caso. A versão oficial é de que caiu no
banheiro, bateu a cabeça e sofreu lesões na coluna. Uma enfermeira e uma
assistente social alegaram que compete somente aos familiares denunciar às
autoridades casos de pacientes suspeitos de crime.
Após uma avaliação
médica, o preso foi recusado em um hospital psiquiátrico para onde chegou a ser
enviado para internação. Antes disso, durante inspeção de rotina do Ministério
Publico no presídio, agentes penitenciários o mantiveram escondido para evitar
que revelasse a tortura a promotores de justiça.
A situação de
Wesley Ferreira da Silva, que consegue apenas movimentar a cabeça e fala com
muita dificuldade, foi comunicada pela reportagem à juíza da Vara de Execuções
Penais, Luana Campos, bem como à procuradora de justiça Patrícia Amorim Rego,
chefe do Ministério Público do Estado do Acre. Um homem que acompanhava um
parente internado na mesma enfermaria do preso, ouviu dele o relato de tortura
e espancamento e revelou o caso ao Blog da Amazônia.
A juíza Luana
Campos, que está de férias, aceitou acompanhar a reportagem ao Pronto Socorro,
na manhã de terça-feira (30). Chocada com o relato do preso, a juíza telefonou
para o delegado da Polícia Civil, Fabrizio Leonard, titular da Delegacia
Itinerante, a quem pediu que fosse ao hospital ouvir o depoimento e instaurar
inquérito para apurar a denúncia de tortura.
O delegado alegou
que estava em reunião, mas prometeu que ia ouvir Wesley Silva a partir das 14
horas. Até às 17h30 o delegado não havia procurado o preso, de acordo com
informação da promotora de Justiça Laura Miranda Braz, da 4ª Promotoria
Criminal, que também ouviu a vítima e passou a atuar no caso a pedido da
procuradora geral de Justiça do Acre.
Wesley Ferreira da
Silva, que nasceu em Colorado do Oeste (RO), cumpre oito condenações que
totalizam 21 anos, 10 meses e 12 dias de prisão, por um homicídio, seis furtos
e um roubo. Ele foi transferido de Porto Velho (RO) para Rio Branco no início
do ano, passou mais ou menos 20 dias na triagem do presídio estadual Francisco
de Oliveira Conde e em seguida foi conduzido ao presídio Antônio Amaro Alves.
O preso contou que
foi torturado porque era suspeito de integrar a facção criminosa PCC (Primeiro
Comando da Capital) e de ameaçar de morte um agente penitenciário do Acre.
- Durante a
terceira sessão de tortura, implorei ao Souza, chefe da equipe de segurança do
presídio, que mandasse buscar minha ficha. Ele atendeu e constatou que eu
estava há poucos dias dias em Rio Branco. Eu não conhecia ninguém no Acre. O
Souza disse: "Tudo bem, ninguém fez nada com você, entendeu?". E eu
entendi que era pra não contar nada sobre a tortura. Depois falei com o diretor
do presídio e vi ele dizendo pro pessoal dele: "Se eu soubesse que
esse preso estava nessa situação eu não tinha recebido. Quem recebeu esse
preso?". O diretor não tomou conhecimento da tortura. Não soube de nada
porque eu tive medo de contar. O diretor do Instituto Penitenciário também não
ficou sabendo. Quem mais me bateu foi um agente alto, forte, careca – relatou.
Após acompanhar a
reportagem ao Pronto Socorro, a juíza Luana Campos foi direto ao juiz Elcio
Sabo Mendes Júnior, que está respondendo pela Vara de Execuções Penais até a
próxima segunda-feira (5), para informá-lo sobre as condições do preso. Na
noite de terça Elcio Sabo Mendes Júnior decidiu por requisitar que a direção do
presídio remeta a pasta carcerária de Wesley no prazo de 24 horas.
O magistrado
também deferiu um pedido de prisão domiciliar, solicitado pelo preso, por considerar
que "a situação de saúde do reeducando é extremamente grave". A
prisão domiciliar já havia sido recomendada pelo Iapen e o Ministério
Público.
Para melhor
instrução dos autos e para esclarecer a situação do preso, o juiz determinou
que a direção do hospital forneça, dentro de 48 horas, o prontuário e demais
documentos anexados à pasta carcerária, bem como um diagnóstico clínico do
apenado.
Elcio Sabo Mendes
Júnior requisitou ainda a instauração de inquérito policial para investigar os
fatos que levaram ao atual estado de saúde da vítima.
Wesley Silva, que
cumpria pena no presídio Urso Branco, de Porto Velho (RO), foi transferido para
Rio Branco, mas o processo dele contém falhas. A transferência foi deferida em
julho de 2012, o expediente confirmando a transferência em novembro de 2012,
mas não havendo mais notícias acerca do aporte da sua execução penal na Justiça
do Acre.
- Eu sei que eu
errei e estou pagando pelo meu crime. Eu falo pra minha mãe que estou pagando
muito caro, muito caro. Se hoje - e não é porque estou nesta situação - se eu
pudesse voltar atrás eu não faria o que eu fiz na minha vida porque só eu sei o
que eu passo, deitado nessa cama quente, sem poder me mexer, sem poder enxergar
quem está próximo de mim – disse aos prantos.
Em maio,
possivelmente após as sessões de tortura e as evidências de que o preso não é
ligado ao PCC, surgiu nos autos um relatório social cujo teor recomendava uma
nova transferência de Wesley Silva de volta a Rondônia, de modo que pudesse ser
assistido pela mãe dele, Maria Sueli Ferreira da Silvas, de 54 anos, pois não
tem familiares no Acre.
De acordo com o
último relatório social, Wesley Silva apresentava, desde a época que se
encontrava recluso em Rondônia, uma saúde comprometida. De acordo com o
documento, ele havia sido espancado por outros detentos e passou dois meses
internado em hospital. Ao receber alta, descobriu as seqüelas deixadas pelo
espancamento, sendo que perdeu o baço e ficou com pressão arterial
descontrolada.
Na decisão, o
magistrado assinala que Wesley Silva se "mostrava íntegro e capaz
fisicamente, o que não se faz mais presente". Laudo assinado pelo médico
Josleilson dos Santos Nascimento informa que o preso "encontra-se em um
quadro de paralisia flácida, amaurose e restrito ao leito por incapacidade de
deambulação." Ele foi avaliado por neurologistas do Acre e de Rondônia,
mas os médicos não diagnosticaram a causa da paralisia dos braços e das pernas.
Wesley Silva ainda
tem esperança e estava preocupado porque a mãe dele trabalha e terá que
retornar para Rondônia.
- Eu quero
primeiramente a minha saúde, porque eu vim pra cá andando, enxergando e falando
normal. Hoje estou numa situação que minha mãe que me dá banho, que me dá
comida e eu só fico deitado. A minha mãe trabalha. Ela tá indo embora. Tem
agente penitenciário que vem cuidar de mim, que deixa as pessoas me ajudar. Tem
uns que não deixa ninguém se aproximar de mim. Depois que minha mãe for embora,
quem vai me dá comida? Quem vai limpar minha bunda? Quem vai me ajudar?
Procurada pela
reportagem, a secretária adjunta de Comunicação do governo do Acre, Andréa
Zílio, sugeriu uma entrevista com o diretor presidente do Instituto de
Administração Penitenciária do Acre (Iapen), Dirceu Augusto Silva, que preferiu
não se pronunciar a respeito da denúncia.
O presidente do
Sindicato dos Agentes Penitenciários do Acre, Adriano Marques, também foi
procurado pela reportagem. Em nota, ele defendeu os colegas da acusação de
tortura, espancamentos e maus tratos no sistema penitenciário do Acre.
- Os agentes
apresentaram cópias de documentos que comprovaram que nenhum responde por
processos administrativos ou judiciais e que a direção do Iapen informou que o
preso já chegou ao Acre com problemas de saúde. Não podemos extrapolar
princípios constitucionais. Os agentes penitenciários gozam da presunção da
inocência.
Fonte: Terra
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