Fenômeno paraolímpico, Alan Fonteles "agradece a Deus" por deficiência
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Fonteles
quebra recorde mundial de Pistorius e leva ouro no Mundial
Em 2013, brasileiro ganhou quatro medalhas no
Mundial paraolímpico de Lyon Rodrigo
Capote/UOL
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"Eu
jogava bola, corria, andava de bicicleta, pulava muro e corria atrás de pipa.
Na escola, sempre brinquei com os meus colegas. Voltava para casa todo sujo.
Tive uma vida normal". O relato exemplifica com perfeição o comportamento
de Alan Fonteles, um dos principais nomes do esporte paraolímpico brasileiro
atualmente. Longe da comiseração ou da afetação pelos obstáculos superados, o
paraense não transforma a deficiência em assunto.
"Eu
agradeço a Deus pelo que aconteceu comigo. Se não tivesse acontecido, não seria
atleta, não seria reconhecido e não estaria aqui hoje", disse Fonteles,
20, em entrevista exclusiva ao UOL Esporte.
Fonteles
ganhou enorme repercussão nos Jogos Paraolímpicos de 2012, disputados em
Londres. Ele venceu os 200m na categoria T43 e destronou o sul-africano Oscar
Pistorius, medalhista de ouro na prova nas duas edições anteriores do torneio
(Atenas-2004 e Pequim-2008).
Em
pouco mais de um ano, as vidas de Fonteles e Pistorius tiveram trajetórias
dicotômicas. O brasileiro consolidou o domínio, e no último mês conquistou
quatro medalhas no Mundial de atletismo paraolímpico disputado em Lyon
(França). Foram três ouros (100m, 200m e 400m) e uma prata (4x100 m).
O
sul-africano migrou para as manchetes policiais. No início de 2013, Pistorius
matou a namorada, a holandesa Reeva Steenkamp, na mansão do casal. A defesa
alega que ele atirou porque a confundiu com um ladrão, e o tribunal de Pretória
concedeu ao atleta o direito de aguardar o julgamento em liberdade mediante
pagamento de fiança. O retorno dele ao tribunal está marcado para 19 de agosto.
"Acho
que ele é insubstituível. Eu não quero substituir o Pistorius, mas fazer a
minha história. Conquistei tudo que eu podia e fiz a minha trajetória. Tenho
crescido e feito o meu nome", afirmou Fonteles. "Eu acho que estaria
onde estou mesmo se essas coisas não tivessem acontecido com ele. Desde que eu
venci em Londres, comecei a elevar o meu nome. Eu queria que ele estivesse nas
competições, mas não seria diferente", completou o brasileiro.
Esportivamente,
Fonteles ainda vê margem para evoluir. Sobretudo nos 400m, prova em que ele foi
medalhista de ouro no Mundial de Lyon a despeito de não ter feito uma
preparação específica: "Ainda dá para tirar uns três ou quatro segundos do
meu tempo".
O
sucesso nas pistas já provocou mudanças na vida de Fonteles. O paraense
mudou-se para São Caetano do Sul, na Grande São Paulo, em 2012. O corredor
também trocou a técnica Suzete Montalvão, que o acompanhava desde a infância,
por Amaury Wagner Veríssimo, que é do CPB (Comitê Paralímpico Brasileiro).
O
reconhecimento também mudou. "É bom saber que pessoas gostam do trabalho
que você faz. Ter fãs e ouvir as pessoas dizerem que se tornaram atletas porque
me viram correndo é uma felicidade muito grande", contou Fonteles.
A
fama e o endereço, contudo, encerram a lista de mudanças. Fonteles continua
sendo caseiro, apesar de ter uma agenda que inclui entrevistas, palestras e até
um encontro com a presidente da República, Dilma Roussseff, na próxima
sexta-feira.
NOVO
PISTORIUS?
"Desde
criança, sempre fiz as coisas normalmente. Eu nunca fiquei falando 'ah, não vou
fazer porque não consigo'. Minha mãe sempre me tratou como uma criança normal.
Meu pai também. Então, sempre passei para as pessoas que não é porque eu uso
prótese que eu tenho de ser tratado de forma diferente", apontou Fonteles.
Acometido
por um problema congênito, o corredor começou a fazer fisioterapia quando tinha
pouco menos de um mês de vida. Fonteles usa prótese desde um ano de idade e
começou a andar antes de completar três. Ele debutou no atletismo aos oito
anos, quando fez um pedido aos pais após ter visto Robson Caetano competindo.
"Existem
pessoas com perna e existem pessoas sem perna, assim como existem pessoas com
cabelo e existem pessoas sem cabelo. Eu não tenho as pernas e tenho de lidar
com isso. Da mesma forma, uma pessoa que não tem cabelo precisa lidar com o fato
de ser careca. Eu até brinco que consigo passar de 1,78m para 1,83m quando
troco de prótese. Então, eu consigo crescer e diminuir da noite para o dia.
Pessoas não conseguem", comparou o atleta.
A
casa de Fonteles em São Caetano do Sul não tem nenhuma adaptação motivada pela
deficiência do corredor. A única coisa que ele tem de diferente é o carro,
cujos controles de aceleração e frenagem ficam nas mãos.
SUPERAÇÃO
Existem
pessoas com perna e existem pessoas sem perna, assim como existem pessoas com
cabelo e existem pessoas sem cabelo. Eu não tenho as pernas e tenho de lidar
com isso.
Segundo
o corredor, ele nunca sofreu nenhum tipo de discriminação por causa do uso de
próteses. O principal problema imposto a Fonteles é estrutural: "A questão
das calçadas. Hoje, para andar em uma rua, você não consegue seguir por uma
mesma calçada. A diferença de nível é muito grande. Se você pega uma subida e
uma calçada mais alta, é complicado até para um atleta". O paraense treina
no CT da BM&F Bovespa, que fica a pouco mais de um quilômetro da casa em
que ele mora.
A
mudança, aliás, ainda não foi totalmente assimilada por Fonteles. Caseiro, o
atleta tem sofrido com o ritmo do novo Estado. "Eu gosto de São Caetano do
Sul porque é mais tranquila", disse o corredor. "Mas de São Paulo eu
confesso que não gosto, não. É uma cidade muito movimentada, muito agitada. Só
estou em São Paulo por causa da minha profissão. Tanto que quando eu terminar
as minhas coisas no atletismo eu pretendo ir para outro lugar", adicionou.
Até
por ser muito novo, Fonteles ainda não estipulou quando pretende deixar o
esporte. Antes, o corredor vislumbra outras duas mudanças: ele quer disputar o
Troféu Brasil de atletismo, competição em que enfrentará pessoas sem
deficiência, e vai se casar em novembro.
No
primeiro caso, porém, Fonteles fará apenas um teste: "Disputar uma
Olimpíada não está nos meus planos. Não tenho vontade. A única coisa que eu
quero é disputar o Troféu Brasil. Quero continuar competindo e levando o nome
do esporte paraolímpico do Brasil. Posso mudar de ideia daqui a alguns anos,
mas hoje eu não tenho vontade de mudar".
SAUDADE
DA FAMÍLIA
Eu
deixei minha família, saí de casa e tenho uma vida muito regrada. Mas quando
chego a um campeonato e subo no pódio, vejo que tudo isso vale a pena
Na
vida pessoal, a mudança de Fonteles será mais definitiva. Ele vai se casar com
Lorrany, 17, namorada do atleta desde dezembro do ano passado. A cerimônia será
realizada em Arapiraca (AL), mas os dois vão morar em São Caetano do Sul (SP),
no apartamento em que o corredor vive atualmente.
A
noiva já é a maior companheira de Fonteles nos períodos de folga: "A gente
sai para almoçar ou jantar e para ir ao shopping ver filmes. Não sou de sair e
não sou tão agitado assim. Prefiro programas bem tranquilos".
Para
um jovem de 20 anos, as principais peculiaridades de Fonteles passam longe das
próteses: o status como atleta paraolímpico e a vida tranquila. O tom de
"coitadinho", porém, não aparece sequer quando o corredor fala sobre
a rotina no esporte. "Foram treinamentos de seis horas por dia, de segunda
a sábado. Eu deixei minha família, saí de casa e tenho uma vida muito regrada.
Mas quando chego a um campeonato e subo no pódio, vejo que tudo isso vale a
pena", finalizou.
Fonte: UOL Esporte
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