Primeira cadeirante a se firmar modelo de publicidade no país diz que marcas já estão ‘pensando diferente’
Compartilhe
Julie em meio a colegas de um de seus trabalhos publicitários Foto: Arquivo Pessoal |
Jairo Marques
Talvez você não se lembre,
mas Julie Nakayama, 32, tem entrado em sua casa, pela TV e por outras mídias,
com muita frequência. Ela tem “vendido” de telefone celular a automóvel. Tem
estrelado campanhas do Ministério da Saúde e esbanjado saúde em anúncios de
shopping center.
Uma carreira
movimentada, mas com uma pitada desafiadora, aparece sempre a bordo de uma
cadeira de rodas, alheia à “coitadismos”, exemplos disso ou daquilo, apenas uma
profissional da publicidade.
Seguramente, Julie é a brasileira com deficiência que, até agora, conquistou o maior espaço no mundo de divulgação de marcas, mas ela nem acha isso “grande coisa”. Avalia como consequência de seu preparo na dança, no teatro e por ter “se jogado” em busca de oportunidades.
Nesta entrevista ao
blog, ela conta sobre o caminho trilhado, das portas fechadas e da perspectiva
que tem para o futuro.
Desde muito cedo você
está envolvida com o mundo publicitário. Como isso começou na sua cabeça?
Já era dançarina na
época e me indicaram pra fazer um teste pra campanha de vacinação contra a
poliomelite. Passei já no meu primeiro teste. Meu primeiro comercial foi com 13
anos. Aquilo tudo era muito novo pra mim, mas já no teste eu já me encantei por
aquele ambiente de câmeras, luz, produção e foi nesta gravação inclusive que eu
decidi cursar publicidade e propaganda, anos mais tarde.
Uma das demandas das
pessoas com deficiência é a de estar em todos os locais, de ter
representatividade na mídia. Você está atualmente em vários comerciais de TV,
internet etc. Avalia como uma conquista, uma consequência?
Nunca almejei estar em todos
os locais. Meu forte sempre foi a dança. As coisas foram acontecendo, mas
acredito ser uma boa fase no meio publicitário (mas obviamente espero que
continue assim). Fiquei anos sem ser chamada pra nenhum teste e acho que não
teve muita procura por perfis cadeirantes nos últimos anos. Fui fazendo
propagandas, mas era um ali, outro lá, meses depois.
Chama a atenção que
suas aparições não estão necessariamente atreladas a um debate de inclusão ou
acessibilidade. Como você analisa esse “amadurecimento” das marcas?
Acredito que sim, as marcas estão pensando diferente e saindo do que sempre foi
considerado padrão. A pessoa com deficiência não paga de “coitadinho”, nem a
campanha soa como inclusão forçada e muitas vezes a cadeira de rodas passa
batido, o que é ótimo, não é esse o foco.
Você já chegou a
ficar de fora de alguma campanha que gostaria muito de ter feito em
consequência da deficiência? É um mercado pouco generoso com a diversidade,
não?
Sempre respeitei o
briefing que as agências mandam, mas já aconteceu da marca desistir de ter uma
pessoa com deficiência na campanha. Acontece. Mas também já aconteceu de eu não
estar no perfil e também ser aprovada.
Não acredito que
seja um mercado pouco generoso com a diversidade não. Pelo menos não agora. O
meio publicitário é bem democrático, existe mercado para todos, qualquer idade,
cor e deficiência.
Como começar a
trilhar esse caminho que você trilhou? É preciso que tipo de preparação?
Parece até pretensioso
eu dizer que trilhei um caminho, as coisas simplesmente foram acontecendo!
Trabalho com gente maravilhosa que eu tenho muita gratidão por cada
oportunidade, que sempre é um desafio!
Danço desde os 9, tenho
formação de atriz e dançarina. Na época, não quiseram me dar DRT [registro
profissional] de dançarina, me disseram que: “cadeirante não dança”. Já
participei de campeonatos de dança que só eu era cadeirante e os juízes não
sabiam como me avaliar. Recusaram me matricular em uma escola de teatro porque
eu era cadeirante. Acabei indo pra uma escola que a acessibilidade era muito
pior mas eu fui muito feliz, minha turma nunca me tratou como coitadinha, os
meninos me subiam no colo.
A preparação é
mais interna: saber que você vai tomar muitos “nãos” e não é porque você tem
uma deficiência. Atores, modelos que não têm deficiência recebem “nãos” todos os
dias em testes,faz parte do trabalho e estar preparado para muitas horas de
gravação. Tem que gostar!
O caminho é
difícil pra todo mundo. Mas vale muito a pena.
Acha que finalmente
entramos num tempo em que a beleza sobre a diversidade começa a ser reparada ou
ainda é onda, um efeito da pressão social essa valorização?
A “pressão social” tem
sim um grande peso, mas acho que podemos tirar proveito ao invés de criticar.
Graças a isso as marcas estão vendo diferente e ainda bem que “pessoas
diferentes” estão sendo mostradas, isso aproxima a marca do público, torna mais
real. Ter esta diferença, sair do “padrãozinho” faz com que as pessoas se
identifiquem mais.
Qual foi a campanha
mais surpreendente para você e que tipo de desafio nesse meio seria um sonho a
ser realizado?
Fazer o tour da tocha
paralímpica nos jogos em 2016 [Rio] foi uma das experiências mais incríveis que
eu já fiz! Passamos por Natal, Belém, Joinville, Brasília e Rio, claro!
Falando de campanha,
cada uma é um desafio diferente e é isso que me encanta. É como se eu tivesse
fazendo pela primeira vez. Às vezes existe um excesso de cuidado porque “ela
usa cadeira de rodas” mas acho que faz parte do processo. As pessoas ainda não
são acostumadas a lidar com a “diferença”.
Eu já fui além do que eu
sonhava acontecer pra mim neste meio. Estou numa fase maravilhosa e tenho muita
gratidão por cada trabalho que eu fiz e cada pessoa que eu tive oportunidade de
conhecer. Trabalho com pessoas maravilhosas que me veem como dançarina/atriz e
não como “cadeirante” e brigam pra eu fazer parte do projeto.
Cada trabalho que eu sou
aprovada é sempre um desafio – e uma alegria pra mim, isso me motiva! Eu
comemoro como se fosse o primeiro sempre! Impossível cansar de um trabalho que
não tem rotina nunca.
Para saber mais sobre
ela: @juliehasushi
Julie faz anúncios publicitários desde os 13 anos Foto: Arquivo Pessoal |
Julie, que tem formação em dança e teatro Foto: Arquivo Pessoal |
Julie é a pessoa com deficiência que mais aparece em anúncios publicitários de marcas diferentes no país Foto: Arquivo Pessoal
Fonte: Folha de SP
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Seu Comentário é muito importante para nós.