Jovem com deficiência física conta como é mochilar pelo mundo
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A
jornalista Jéssica Paula, 26 anos, já conheceu 24 países e percorreu mais de
79.000 km, sempre sozinha
Crédito:
Arquivo pessoal
A jornalista Jéssica Paula em Machu Picchu; de muletas, ela já
mochilou por mais de 20 países sozinha
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Aos seis
anos, uma infecção de garganta, que migrou para a medula, fez a jornalista goiana
Jéssica Paula, 26 anos, perder os movimentos das pernas. Ela teve que reaprender
a fazer atividades cotidianas, como andar e sentar, por exemplo.
Crédito:
Arquivo pessoal
Em 2013, Jéssica fez um mochilão pela Etiópia, Sudão, Sudão do
Sul e Uganda, países em zonas de conflito na África
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Confira abaixo o
primeiro relato:
Aos seis anos, tive uma
infecção de garganta que migrou e infeccionou a medula. Perdi o movimento das
pernas, a força do tronco, parei de andar. Precisei reaprender a sentar, a
engatinhar e, finalmente, voltar a caminhar com ajuda de um andador.
Meu primeiro desafio foi
conseguir andar em volta do quintal de casa, sem que minha mãe ajudasse. Quando
conquistei tal façanha, não imaginava que esses seriam os primeiros metros dos
83.724 km que percorreria pelo mundo.
Quando as pessoas me
veem com um mochilão de mais de 70 litros nas costas, me apoiando em um par de
muletas, o primeiro olhar é de espanto. A segunda reação é pensar que sou
extremamente corajosa. Outros chegam a questionar se não estou com a saúde
mental afetada e sempre me dizem sobre o quão difícil deve ser viajar sozinha
sendo uma mulher com deficiência física. Devo revelar algo desenganador: Não é.
É mais fácil e mais
engrandecedor do que se imagina. Vivo a mesma rotina de qualquer viajante. A
diferença? A mochila tem de ser bem pensada e mais leve, e as trilhas talvez
peçam mais pausas pelo meio do caminho.
Até o sentimento de pena
que ainda está presente na imagem que se tem sobre as pessoas com deficiência
se converteu a meu favor. Quando a mochila estava pesada, aparecia alguém
oferecendo ajuda. Quando não havia vaga em dormitórios, aparecia alguém
disposto a caminhar a meu lado para ajudar na saga de encontrar um hotelzinho
disponível. Isso para não dizer da atenção cuidadosa que recebi mesmo quando
fui detida ao entrar em uma zona de conflito no Sudão.
Há vezes que me sinto
vivendo um rally sobre muletas, como em um dos terminais rodoviários
do interior da Etiópia. Vamos ver quem passa primeiro por entre esses dois
ônibus, pula três caixas, desvia de uma galinha, sem esbarrar na criança
chorando e sem pisar naquela poça de lama.
Na maioria das vezes,
não há como planejar trajetos mais acessíveis. Afinal, como prever ou evitar
subir os degraus altos e estreitos de Machu Picchu? Qual seria a melhor opção?
Alterar o roteiro e procurar destinos acessíveis seria uma resposta plausível.
Mas não poderia permitir
que duas pernas deficientes me impedissem. Ora, tenho meus braços para isso. E
se não os tivesse, sei que encontraria alternativas. A verdade é que ser uma
viajante deficiente requer aprender a usar os recursos disponíveis. Não há
porque se queixar, há que buscar soluções. Se não tenho força nas pernas, sem
problemas.
Caminho com a força dos
braços. Se não consigo carregar mala de rodinhas, sem problemas. Coloco uma
mochila nas costas. Se a mochila está muito pesada, sem problemas. Abro mão de
variedade de roupas na permuta por um mochilão mais leve. Se há uma escada
enorme no meio do caminho, tenho duas opções: ou eu me lamento por não poder
subir essa escada, ou eu aprendo a subi-la.
Sempre ouvi a palavra
muleta como sinônimo de acomodação, de desculpa. No meu caso, uso elas para
subir pedras, morros e escadas rolantes. Apagar as luzes, fechar portas e
cruzar desertos. Para passar por barreiras policiais em meio a uma zona de
conflito no Sudão, ou para conseguir carona no Marrocos. Para comer na
Mauritânia, acompanhar a vida de ciganos romenos na Espanha, ou conquistar uma
aula de mergulho no nordeste brasileiro.
Confesso que comecei a
viajar para fugir do bullying, de preconceito, e para não ser “apenas mais uma
deficiente”. Na arte de se colocar em movimento pelo mundo, descobri que não é
preciso quebrar suas muletas, é preciso aprender a usá-las. É entender que
nossas muletas –dificuldades, desculpas, medos, problemas – também nos levam a
lugares incríveis.
Fonte: Catraca Livre
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