“Procurando Dory”, na verdade, é um filme sobre deficiência mental – e isso é ótimo
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Animação não é coisa só para criança, e a Pixar faz
questão de deixar isso bem claro. A empresa vencedora de 8 Oscars, e consagrada
como uma das apostas de Steve Jobs, adora mesclar temas sérios com desenhos
bonitnhos. Wall-e, por exemplo, é uma forma lúdica de falar sobre
poluição. Procurando Nemo, a história de um pai solteiro que
atravessa o mundo atrás de seu filho que tem sequelas de um acidente, é uma
grande trama sobre a superproteção e a aceitação da deficiência física. Procurando
Dory não só continua essa tradição, como dá um passo à frente e trata de um
assunto megacomplexo: transtornos mentais.
O filme mostra Dory, a peixinha coadjuvante em Procurando
Nemo, tentando entender um pouco sobre seu passado, e indo atrás de seus
pais. A personagem ganha status de protagonista, e sua falta de memória – que
foi combustível para diversas piadinhas no primeiro filme – começa uma roupagem
mais séria. É aí que entra a grande sacada da continuação: a gente já sabe que
um peixinho com deficiência física consegue atravessar o mundo e fugir de um
aquário, mas e se o problema dele fosse cognitivo? Quais são os limites que
esse tipo de doença pode trazer? A Pixar encara de frente que a dificuldade de
memorização é um problema complexo, que afeta milhões de pessoas. E que, se
Dory fosse alguém de carne e osso, ela enfrentaria algumas dezenas de
dificuldades todo santo dia.
Calma, isso não deixa o clima pesado, e as crianças não
vão sair da sala de cinema chocadas. Na verdade, é tudo contado de maneira
sútil e fofa – o que só deixa tudo melhor ainda. A versão infantil de Dory é
uma das coisas mais adoráveis do cinema recente. É pequena, é inocente, é
divertida, mas não é irritante como um Minion que repete incansavelmente a
palavra “banana”, até você desistir de ver o filme. Os diretores Andrew Stanton
e Angus MacLane conseguem falar sobre isso do jeito mais delicado possível – é
capaz que você saia do cinema e nem perceba que estavam falando sobre
transtornos mentais, só sobre peixinhos carismáticos, e a trama é tão boa que
já bastaria mesmo.
O roteiro é extremamente construído, enquanto Dory não
lembra o que aconteceu, você também não fica sabendo. E quando ela consegue
recuperar a memória sobre determinado fato, um flashback aparece na tela,
criando uma segunda linha temporal com clima de mistério. Faz jus à primeira
temporada de True Detective. Tudo isso enquanto um monte de personagens
novos são apresentados. Um mais divertido e interessante que o outro. Sem
deixar de lado os bichinhos que já haviam se consagrado no primeiro longa, como
a tartaruga Crush.
Mesmo parecendo tão maduro em discutir um tema tabu como
esse, Dory tem um problema: o leão marinho Geraldo. Enquanto o longa
apresenta diversos personagens que também tem transtornos psicológicos, além de
Dory – como o polvo Hank, que após ser mutilado desenvolve uma espécie de estresse
pós-traumático, e o beluga Bailey, que tem sérios problemas de autoestima -, o
único propósito de Geraldo, que claramente também tem alguma deficiência
cognitiva, é servir de piada. O personagem fica completamente deslocado das
ideias do filme, e fica no ar a dúvida se ele era mesmo necessário.
Além de uma aula sobre inclusão, o filme é, no fim das
contas, bom pra caramba. Dá para rir com as piadinhas inteligentes – na versão
dublada existem algumas sacadas pensadas exclusivamente para o público brasileiro
-, dá para chorar com as frases de impacto acompanhadas de uma trilha
delicadíssima, e, de quebra, os fãs do primeiro longa ainda entendem um
pouquinho mais sobre baleiês. Se tudo isso não bastar, vale a experiência de ir
ao cinema só para lembrar que sempre dá para cantar “continue a nadar, continue
a nadar, continue a nadar, nadar, nadar”.
Fonte: site da revista Super Interessante por Felipe
Germano.
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