As três estratégias na batalha global contra a cegueira que empolgam especialistas
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Novos tratamentos dão esperança a
pacientes com deficiência visual
Mônica Vasconcelos Da BBC Brasil
em Londres
Há
múltiplas causas para a cegueira. Entre elas, glaucoma, catarata, doenças da
córnea, doenças associadas à idade, doenças vasculares, inflamatórias,
infecciosas, tumorais - e as doenças (ou distrofias) degenerativas hereditárias
da retina.
E
quando se fala em tratamentos, são as pesquisas nessa última categoria de
doenças que mais empolgam os especialistas.
"O
maior avanço recente seria no tratamento de distrofias retinianas
hereditárias", disse à BBC Brasil o oftalmologista paulistano Mauro
Goldbaum, especializado em retina e vítreo, com doutorado na Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo e Research fellowship no Manhattan Eye,
Ear, Throat Hospital em Nova York, Estados Unidos.
Na
busca de curas para essas doenças, "a genética vai permitir uma mudança de
paradigma. É realmente uma mudança conceitual muito grande nos
tratamentos", disse Goldbaum.
"Tem
havido avanços interessantes em outras áreas de pesquisa. Por exemplo, no
tratamento da perda de visão associada a diabetes e doenças vasculares, os
medicamentos melhoraram muito, o resultado é excepcional. Mas são remédios, um
método convencional."
Além
disso, explicou, "esses medicamentos geralmente não levam à cura, mas sim
ao controle da doença - e esse controle requer várias aplicações a longo
prazo".
"A
terapia gênica é diferente, é realmente inovadora. Primeiro porque promete
tratar doenças graves para as quais não temos alternativa no momento",
afirmou Goldbaum.
"Segundo
porque os estudos têm mostrado que uma única aplicação permite corrigir o
efeito do gene causador da doença. Dessa forma, a terapia gênica aproxima-se
mais da cura do que do controle da doença", acrescentou.
"Terceiro,
porque mesmo doenças degenerativas associadas à idade - como glaucoma e
degeneração macular - envolvem uma predisposição ou alteração genética".
"Então,
potencialmente, a terapia gênica poderia oferecer alternativas para doenças não
hereditárias, que são mais comuns. E vem sendo incubada há muito tempo. É uma
coisa futurística, abre possibilidades de se tratar muitas doenças",
concluiu o pesquisador.
Para
o paciente, no entanto, a espera ainda será longa. Segundo os especialistas, é
provável que tratamentos para essas doenças só estejam disponíveis, em massa,
para as gerações futuras.
Isso
cria um grande desafio para médicos que recebem, diariamente, pacientes com
doenças graves, incuráveis, em seus consultórios.
Por
um lado, é preciso incentivar uma atitude positiva, por outro, não se pode
despertar falsas esperanças, como explicou à BBC Brasil a oftalmologista e
geneticista Juliana Sallum, professora da Universidade Federal do Estado de São
Paulo (Unifesp) com doutorado na Johns Hopkins University, em Maryland, Estados
Unidos.
"O
paciente tem de manter o psicológico bem, manter otimismo em relação ao
progresso das pesquisas. Mas você não pode dar esperanças demais. Esse balanço
é bem difícil. E a mídia faz muito estrago. Quando explico a realidade, é
decepção na certa."
No
entanto, há muitas razões para o otimismo, disse Sallum. Ela destaca, além das
pesquisas com terapia gênica, estudos envolvendo terapia celular.
"Esses
estudos são desbravadores. Abrirão portas e facilitarão pesquisas envolvendo
outros genes. E não podemos esquecer que nada disso existia há dez, quinze
anos", disse Sallum. "A ciência em si tem avançado bastante. Como
médicos, conseguimos ver isso, mas o paciente quer resolver o caso dele, o que
é totalmente compreensível."
Sallum
tem mais boas notícias:
Avanços
em estudos sobre outras doenças degenerativas - como o mal de Alzheimer, por
exemplo - e sobre o envelhecimento de maneira geral podem, um dia, trazer
soluções aplicáveis também às distrofias degenerativas da retina.
"A
ideia é não permitir que a célula envelheça e morra. No caso de doenças
degenerativas, o objetivo é não deixar que o erro genético cause o
envelhecimento precoce, levando à morte celular precoce."
Uma
outra estratégia nas pesquisas aposta não em tratamentos ou cura, mas sim em
uma solução pragmática para o problema da cegueira. Trata-se do chamado olho
biônico.
Entenda,
com a ajuda da oftalmologista Juliana Sallum, três empolgantes estratégias na
busca global por soluções para as distrofias degenerativas hereditárias da
retina.
1.
Terapia gênica
A
terapia gênica consiste na inserção de um gene ou de material genético em
determinada célula com fim terapêutico.
O
material genético é transportado para o interior da célula por um vetor - em
alguns casos, um vírus inofensivo. O vetor é injetado embaixo da retina e
transfere, para dentro da célula, o material genético que carrega. A célula
passa a expressar esse gene e assim corrige-se a função que estava deficiente.
Esse
tipo de terapia é indicado para pacientes cujas células fotoreceptoras estão
"em sofrimento" (ou seja, embora seu funcionamento já esteja sendo
afetado pela doença, as células ainda estão vivas).
Em
anos recentes, foram feitos estudos com terapia gênica para tratar retinose
pigmentar, coroideremia e amaurose congênita de Leber, mas ainda não há
tratamentos disponíveis.
Já
existem, no entanto, estudos clínicos (envolvendo pacientes) em fase avançada,
e um deles estaria em estágio final de aprovação: uma equipe da Universidade da
Pensilvânia, em, Filadélfia, Estados Unidos, anunciou que espera poder
oferecer, dentro de um ano, terapia gênica para alguns pacientes com a
distrofia amaurose congênita de Leber.
Um
dado importante é que a doença é rara, afetando uma em cada dez mil pessoas.
Além disso, ela é provocada por 18 genes diferentes, e a terapia gênica
desenvolvida pela equipe americana se aplicará apenas a pacientes com um gene
específico, o RPE65.
"Ou
seja, trata-se de um gene raro em uma doença rara", disse a geneticista
Juliana Sallum.
Também
em estágio avançado está a pesquisa desenvolvida pelo oftalmologista britânico
Robert MacLaren, da Oxford University, Inglaterra, para o tratamento da
coroideremia. Estudos clínicos trouxeram resultados positivos que vêm se
sustentando há quatro anos. Em e-mail à BBC Brasil, um integrante da equipe
disse que é difícil prever, mas o grupo espera que um tratamento seja
disponibilizado dentro dos próximos dez, possivelmente cinco, anos.
A
coroideremia também é uma doença rara, afetando uma em cada 50 mil pessoas.
2.
Terapia celular
Para
pacientes que já perderam muitas células fotoreceptoras , uma outra estratégia
nas pesquisas para tratamento é a terapia de reposição de células, ou terapia
celular. Por esse método, células são retiradas de outro tecido e tratadas em
laboratório para ficarem mais parecidas com as células da retina.
Os
estudos atuais apostam em dois tipos de células que são implantadas em diversos
lugares dentro do olho: células iPS (sigla inglesa para Induced pluripotent
stem cells, ou células-Tronco Pluripotentes Induzidas - um novo tipo de célula,
descoberto em 2006, que se assemelha às células-tronco embrionárias mas é
obtido artificialmente em laboratório) e células tronco (células embrionárias
de fetos descartados após fertilização In Vitro).
"A
diferença entre terapia celular e terapia gênica é que na terapia gênica o alvo
é uma célula que já está lá (na retina)", disse Sallum.
Os
estudos atuais envolvem pacientes com Doença de Stargardt e com degeneração
macular senil (que não tem causas puramente hereditárias).
Embora
os estudos já envolvam pesquisas clínicas, não é possível fazer previsões sobre
quando tratamentos estarão disponíveis.
O
benefício potencial da terapia celular seria imenso, explicou Sallum. A Doença
de Stargardt é uma das mais comuns entre as distrofias degenerativas
hereditárias da retina. E a degeneração macular senil (que não pertence à
categoria das distrofias degenerativas da retina) é a maior causa de perda de
visão em pacientes com mais de 50 anos.
3.
Olho biônico
Chip implantado é implantado no olho por meio de cirurgia |
Há
diversos olhos biônicos em estudo no momento, mas apenas dois receberam
aprovação de entidades reguladoras para ser comercializados. O primeiro, a
prótese Argos II, está disponível na Europa desde 2011 e, nos Estados Unidos,
desde 2013.
A
prótese Argos II (um microchip) é implantada no olho por meio de cirurgia e
passa a substituir a função da retina. O paciente usa um óculos acoplado a uma
câmera. A câmera, sem fio, envia a imagem para a prótese. A prótese capta a
imagem e estimula, por meio de eletricidade, as células remanescentes na
retina. As células, por sua vez, enviam a informação ao cérebro.
O
chip atual oferece imagens com definição de aproximadamente 36 pixels (pontos),
o que permite a visão de vultos luminosos.
A
prótese é útil como auxílio para pacientes que caminham com bengala,
identificando portas, janelas ou objetos cuja cor contrasta com a do ambiente.
Não há uma percepção de formas em detalhe, mas percebe-se que há um objeto ali.
Também não há percepção de cor ? a imagem é em preto e branco.
Paciente usa óculos acoplado a câmera que envia imagens para prótese ocular |
O
olho biônico é indicado a pacientes com retinose pigmentar (RP) que não usam
mais a visão para se locomover. Por volta de uma em cada quatro mil pessoas no
mundo tem RP. No entanto, o número de pacientes com RP que perde a visão
completamente é pequeno.
Segundo
Juliana Sallum, a decisão de se implantar um olho biônico requer vários
cuidados. Entre eles, o preparo psicológico do paciente.
"Sem
um preparo cuidadoso, não adianta implantar, porque o paciente vai se
decepcionar e mandar desligar", disse a médica.
Além
disso, o uso do olho biônico requer anos de contínuo treinamento, já que o
usuário precisa aprender a interpretar os estímulos que recebe, transformando-os
em informação "visual".
Falando
à BBC Brasil, a assessoria de imprensa da empresa americana Second Sight,
fabricante da prótese Argos II, informou que há hoje 180 pessoas vivendo com
implantes do olho biônico no mundo.
A
assessora ressaltou que, apesar da baixa definição da imagem que a prótese
oferece, não se pode subestimar a importância, para alguém que perdeu a visão,
de se poder identificar o vulto de um rosto durante uma conversa, ou a presença
de um carro parado na rua que se quer atravessar.
A
assessoria informou também que o fabricante trabalha constantemente para
aperfeiçoar a prótese.
O
foco desses esforços tem sido melhorias nos óculos e na câmera para permitir um
aumento no campo de visão e a percepção de cor, entre outros avanços.
A
prótese Argos II custa, atualmente, US$ 150 mil (R$ 523 mil).
Em
março desse ano, um outro olho biônico, o Alpha AMS, fabricado pela empresa
alemã Retina Implant AG, recebeu aprovação para ser comercializado na Europa.
Fonte: UOL e APNEN Nova Odessa
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