Gaúcha se torna escritora bem-sucedida ao narrar cotidiano durante a surdez, que superou há um ano

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Aos 16 anos, Paula Pfeifer, hoje com 33, foi diagnosticada com deficiência auditiva neurossensorial bilateral progressiva.

Paula integra o grupo de surdos oralizados, como são chamados os deficientes auditivos capazes de se comunicar pela fala - Arquivo pessoal
RIO - Contrariando um clichê sobre a puberdade, Paula Pfeifer parou de falar ao telefone na adolescência. Também deixou de ouvir músicas, suspendeu as conversas em grupinhos, evitou frequentar lugares barulhentos. Aos 16 anos, ela soube o nome do zumbido que atrapalhava as atividades que tanto descrevem a juventude: deficiência auditiva neurossensorial bilateral progressiva. A surdez já a atingia num grau severo.

— Há uma frase célebre da (escritora americana deficiente auditiva e visual) Helen Keller que diz “a cegueira nos afasta das coisas, a surdez nos afasta das pessoas”. E isso dói e é cansativo. Você não consegue mais acompanhar as conversas em pé de igualdade nem conversar em lugares escuros ou barulhentos, não entende o que dizem ao telefone, não ouve a campainha, não entende as músicas, não se sente seguro para ficar sozinho em casa. — enumera a gaúcha de Santa Maria, hoje com 33 anos. — Para piorar, as pessoas acham que todo surdo usa língua de sinais, estuda em escola especial, frequenta a “comunidade surda” e precisa de intérprete. Então, além das dificuldades óbvias, você ainda precisa se tornar um disseminador de informação.

LEITURA LABIAL EM TRÊS LÍNGUAS

Por ter perdido a audição progressivamente, e já depois ter aprendido a falar, Paula integra o grupo de surdos oralizados, como são chamados os deficientes auditivos capazes de se comunicar pela fala. Ela nunca usou a linguagem de sinais e se tornou uma especialista em leitura labial — em português, inglês e espanhol.

Pensando em tratar das nuances que cercam a surdez, Paula decidiu escrever sobre o assunto. Criou um blog (sweetestpersonblog.com), depois um livro (“Crônicas da surdez”) e, no primeiro semestre do ano que vem, lança “Novas crônicas da surdez: epifanias do implante coclear”. Enquanto, na primeira obra, relatou o processo de aceitação da deficiência, na segunda contará como foi voltar a escutar. Em setembro do ano passado, a gaúcha implantou o chamado “ouvido biônico”, apetrecho que devolve a capacidade de perceber o som a pessoas com surdez total.

— Voltar a ouvir foi um cafuné na alma, e vai fazer um ano que me delicio com redescobertas sonoras todos os dias. Voltar a escutar minha própria voz e ter controle sobre ela foi emocionante, voltar a ouvir passarinhos, o mar, o vento... Coisas absolutamente banais para quem ouve, mas de uma beleza monstruosa para aqueles que foram privados disso por muitos anos — descreve.

Apesar de ter começado a perder a audição na infância, Paula relutou para reconhecer a deficiência. Num primeiro momento, recebeu o diagnóstico de que tinha um canal no ouvido que, um dia, iria abrir, permitindo-lhe ouvir bem. Aceitou o parecer, mas, com a persistência do problema, descobriu a deficiência. Só no ano seguinte procurou uma fonoaudióloga e, tempos depois, falou sobre o assunto a pessoas próximas. Decidiu tratar da surdez de forma assumida já na universidade. No trabalho de final do curso de Ciências Sociais, escreveu sobre a escolha da modalidade linguística (oral ou de sinais) pelos pais de crianças surdas. No blog, passou a falar para deficientes, famílias e amigos.

— Detestava o fato de ver somente ouvintes escrevendo sobre surdez. O que uma pessoa que ouve pode de fato entender sobre o que é não ouvir e os sentimentos, medos e angústia envolvidos nisso? — questiona.

A adaptação aos aparelhos auditivos também é tema de textos escritos por Paula. Da época em que descobriu a surdez até hoje, a tecnologia dos equipamentos melhorou consideravelmente. Seu primeiro dispositivo apenas amplificava os sons. Hoje, há os que se conectam com TV, celular, computador e tablet via bluetooth. Aos 31 anos, a jovem resolveu fazer o implante coclear.

— Não queria passar o resto dos meus dias naquela prisão silenciosa. Se houvesse a mínima chance de voltar a ouvir, queria tentar — diz. — O implante me permite até falar ao telefone, coisa que fiquei quinze anos sem poder fazer. Passei a ouvir tudo: das cigarras berrando lá fora ao barulho da chuva, da campainha ao interfone. Mas a melhor parte é ouvir e entender a fala humana sem leitura labial.

Dois meses depois da cirurgia, no dia em que eletrodos do implante foram acionados, Paula recebeu uma mensagem que também alteraria seus rumos.

— A internet me trouxe tantas coisas boas que costumava brincar que um dia ela traria também o amor da minha vida. Dito e feito. No dia da ativação do meu implante, recebi uma mensagem de um médico otorrinolaringologista do Rio, Luciano Moreira, dizendo que me acompanhava pelo blog e pelo livro. Nos conhecemos logo depois e nunca mais nos desgrudamos. Nos casamos em dezembro, e aí me mudo para o Rio.

Perguntada se consegue identificar vantagens em não escutar, ela reage com humor:

— Eu tenho um botão off. Ou seja, só escuto coisas chatas, ruins e irritantes se quiser. E posso ter o sono dos justos todas as noites, pois durmo no mais absoluto silêncio.

Fonte: O Globo e APNEN Nova Odessa

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