Pessoas com deficiência física contam como superam limites para jogar videogame
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Os games me dão acesso a mundos onde gostaria de estar e não posso. |
“Escolha
o nível de dificuldade: Fácil, Médio ou Avançado”. Um dos elementos
fundamentais em qualquer game é o desafio. Ser difícil, literalmente, faz parte
do jogo. Mas num país em que 45,6 milhões de pessoas dizem ter alguma
deficiência, segundo dados do Censo 2010, do IBGE, para certas pessoas há
obstáculos extras a superar na hora de jogar videogame.
O UOL
Jogos ouviu alguns portadores de deficiências físicas, que vão dos efeitos da
paralisia infantil à cegueira. Todos são fãs de videogame e falam sobre suas
experiências, no mínimo inspiradoras, com os jogos eletrônicos
Vivo
em uma UTI do Hospital das Clínicas desde os dois anos de idade por causa da
poliomielite, a paralisia infantil. Comecei a jogar videogame em meados da
década de 80, com o Telejogo Philco. Foi uma descoberta: pela primeira vez
podia fazer coisas que não tinha condições de fazer, como jogar tênis. Depois
veio o Atari e, desde então, não parei mais.
Na
época dividia quarto com o Pedro, que também tinha poliomielite e era meu
companheiro de jogo – chegou a fazer um milhão de pontos no “River Raid”. Um
ajudava o outro quando empacávamos em uma fase. Queria ter osvideogames que o
Pedro pudesse jogar, pois ele tinha um problema no braço. Em 1992 o Pedro pegou
uma infecção – nossa traqueia é muito exposta a esse tipo de contaminação – e
faleceu.
Perdi
meu companheiro de jogo, mas vieram os modos online, que me dão acesso a mundos
onde gostaria de estar e não posso. Posso me transferir fisicamente para o
corpo de um personagem e isso é demais. Amo jogos de mundo aberto, como “World
of Warcraft”. Não quero só “matar” inimigos, e sim explorar cada lugar, voar em
um dragão e encontrar um castelo. “WoW” me oferece isso. Também adoro
“Assassin’s Creed”: lembro quando joguei o primeiro e achava delicioso: ao
invés de correr, caminhava devagar, só pra passear.
Os
videogames me dão a oportunidade de desafiar a mim mesmo, de não desistir e
seguir em frente. Minha movimentação melhor é com as mãos, o braço não tem
sustentação, então não consigo jogar Kinect e mesmo o Wii é difícil. Fiquei
aliviado quando mostraram o controle do PlayStation 4 pela primeira vez e eu vi
que poderia continuar jogando. Estou me divertindo bastante com “Battlefield
4”. Consigo ganhar vários rounds. Só me preocupo com a evolução da pólio: hoje
ainda tenho condições de jogar, mas e quanto ao futuro?
-
Paulo Machado, 47 anos, de São Paulo
“Não
me deixavam participar de campeonatos por eu não enxergar”
Perdi
a visão quando era bem novo, por causa de um erro médico. Quando eu tinha
quatro anos de idade, meu irmão ganhou um Mega Drive e um jogo chamou a minha
atenção só pelo som: “Mortal Kombat”.
Comecei
a jogar e a descobrir, por conta própria, golpes, sequências e poderes de cada
personagem. Demorou um pouco até eu dominar a técnica, mas depois passou a ser
algo natural.
Comecei
a jogar outros jogos de luta, me guiando não apenas pela trilha sonora, mas
também pela vibração do controle. É mais fácil encaixar uma sequência de golpes
quando o adversário não me atinge.
Tentei
participar de vários campeonatos, mas ouvia sempre a mesma coisa: “Você não
pode jogar porque não enxerga”. Ficava frustrado. No ano passado, enfim, um
torneio aceitou a minha inscrição. Meus adversários ficavam quietos, não
falavam muito. Joguei “Tekken” no PlayStation 3 e fiquei em 2º lugar. Acho que
consegui o respeito de todo mundo.
-
Gabriel Neves, 23 anos, de São Paulo
“Qualquer
deficiente físico é capaz de jogar”
Estava
soltando pipa, que ficou presa na fiação elétrica. Fui tentar tirá-la de lá
utilizando um trilho de cortina para alcançar o fio quando sofri a descarga.
Tinha apenas sete anos e no acidente perdi braços e pernas.
Sempre
gostei de videogames e isso não mudou com as minhas restrições físicas. Nem
mesmo cheguei a procurar joysticks especiais ou coisa do tipo, pois consigo
manusear todos sem qualquer problema.
De
vez em quando me deparo com alguma dificuldade, como quando a música no “Guitar
Hero” envolve três combinações alternadas. Aí fica tenso!
Meu
game favorito é “World of Warcraft”, mas também jogo “Watch Dogs”,
“Counter-Strike”, “Pro Evolution Soccer 2014” e até mesmo “King of Fighters
2002” no fliperama. Não acho que a indústria de games negligencie este público,
pois para mim qualquer deficiente físico é capaz de jogar.
-
Paulo Henrique Palmeira, o “Kotoko”, 27 anos, de São Gonçalo (RJ)
“Acho
que a indústria não me vê como potencial cliente”
Perdi
o antebraço esquerdo há dois anos em uma máquina injetora na empresa onde
trabalhava. Uso prótese, mas prefiro jogar sem, utilizando o coto [parte
redonda que fica após a perda da mão] para me movimentar com a alavanca
analógica.
Por
essa razão prefiro jogos que utilizam a alavanca esquerda para movimentação,
mas fico frustrado, pois as opções são limitadíssimas para jogar na minha
condição.
Curto
games de futebol, mas mesmo assim só consigo jogar em um nível básico: com a
mão direita uso os botões de chute e passe, mas sem poder driblar, tabelar e
fazer outras firulas que o jogo possibilita.
Adorava
jogar “Black” e outros games de tiro na época do PlayStation 2, mas agora é
impossível – para olhar pra cima, por exemplo, é necessário mover o analógico
com agilidade, o que para mim é impossível.
Acho
que a indústria não me enxerga como potencial cliente, pois não vejo joysticks
para quem joga apenas com uma mão. Já joguei Wii e Kinect, mas são bem
cansativos; é difícil jogar mais que 30 minutos.
Com o
joystick, antes do acidente, chegava a ficar mais de cinco horas no videogame.
-
Alexandre de Aquino Ribeiro, 37 anos, de Poá (SP)
Fonte:
UOL
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