Por que negar a uma criança surda o direito de ouvir?
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Por José Petrola
Recentemente, foi lançado um livro contra o implante coclear.
A autora, Patrícia Resende, pesquisadora de uma universidade pública, afirma
que o implante é uma violência contra as crianças surdas, que são “obrigadas” a
aprenderem a falar e, portanto, estariam privadas de aprender a língua de
sinais e participar da “cultura surda”.
Para ela, o surdo que usa implantes ou aparelhos auditivos
está dominado pela ideologia do “ouvintismo” e da “medicalização da surdez”,
tem vergonha de ser surdo e é “infeliz” por não conseguir se inserir nem no
mundo dos surdos, nem dos ouvintes.
Ela não está sozinha. São muitos os surdos que só usam a
língua de sinais, intitulam-se Surdos (com S maiúsculo) e são contra o uso de
implantes cocleares e aparelhos auditivos.
Para alguns, de fato, não adianta usar implantes e o melhor é
mesmo aprender Libras. Há também quem não tenha acesso ou não possa arcar com
os custos.
Mas como é possível ser contra um surdo usar implante ou
aparelho, mesmo tendo condições de ouvir, para que ele não seja excluído da
“cultura surda”?
Aliás, por que motivo alguém seria privado da “cultura surda”
só por ouvir? Entendo que as línguas de sinais são tão completas quanto outras
línguas e que os surdos não são inferiores aos ouvintes. Porém, não vejo
motivos para defender que surdos não sejam oralizados.
Primeiro, a oralização e a língua de sinais não se opõem.
De certo ponto de vista, pode fazer sentido dizer que os
surdos tem uma “cultura própria”, por usarem a língua de sinais e terem seus
modos particulares de expressão. Mas culturas não se excluem mutuamente.
Afinal, da mesma forma que aprendi português, posso aprender
também inglês, espanhol, alemão, e nem por isso estarei privado da cultura
brasileira ou da cultura lusófona. Pelo contrário, a cada língua que aprendo,
minha visão de mundo se torna mais rica. Prefiro isto a viver no gueto dos que
falam uma língua só.
Da mesma forma, é perfeitamente possível ser implantado, ter
o português como língua materna, e saber a língua de sinais, podendo manter
contato com outros surdos que usam sinais. Assim, por que negar a uma criança
surda o direito de ouvir com implantes e aprender português desde cedo?
Segundo, os surdos oralizados não se sentem necessariamente
inferiores, incompletos ou infelizes por não ouvirem.
Alguns pesquisadores dos “estudos surdos” martelam
repetidamente que o surdo oralizado é infeliz, se sente inferior, mas não
mencionam depoimentos, pesquisas empíricas ou qualquer fonte que corrobore
cientificamente esta versão. Por que não consultar os surdos oralizados antes
de tirar conclusões sobre eles?
Defender que os surdos não usem implantes cocleares ou
aparelhos auditivos para preservarem sua “cultura” faz tanto sentido quanto
dizer que alguém deveria se arrastar pelo chão em vez de usar cadeira de rodas
para não perder sua “identidade”.
Esta campanha contra o implante só piora a situação dos
surdos oralizados, já que muitos formuladores de políticas públicas associam
surdez a Libras e se esquecem das nossas necessidades (“hearing loop”, cinema
com legendas, TV com “closed caption”, etc.).
Como surdo oralizado, usuário de aparelhos auditivos, nunca
me considerei inferior aos ouvintes, e só lamento que nós tenhamos de enfrentar
preconceitos não só de alguns ouvintes, mas também de alguns “Surdos” com S
maiúsculo.
Para quem quiser ler mais, segue o depoimento de uma surda
implantada, a Lak Lobato:
E, de Portugal, vem o depoimento da Alice Inácio, que fez o
implante coclear e não se arrependeu:
O livro de Patrícia Resende se chama Implante Coclear e
Normalização da Pessoa Surda.
Link da dissertação da pesquisadora:
Fonte: Guia Inclusivo
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