Mulheres deficientes sem limites para o amor

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Matéria em homenagem ao Dia dos Namorados

Por Ana Maria Morales Crespo

Muita gente pensa que a deficiência impede o relacionamento amoroso e sexual, mas isso não é verdade.   

Derrubando mitos e preconceitos, é cada dia maior o numero de mulheres deficientes que estão saindo vitoriosas de uma luta comovente e garantindo seu direito não só de amar, mas de casar e ter filhos.

“As feias que me perdoem, mas beleza é fundamental” disse um dia Vinícius de Moraes, resumindo e definindo as aspirações da maioria dos homens em relação às mulheres. Felizmente, para as não tão bonitas nem tão perfeitas a beleza é um conceito relativo. Tudo depende de comparado com o que. Mas o que acontece quando a distância entre o padrão de beleza adotado e a mulher a ser comparada é muito maior do que determinam alguns quilos a mais, o tamanho dos seios, a perfeição do corpo ou os traços do rosto?

Se é um fato que a deficiência pode acarretar limitações físicas, é certo também que não são essas limitações, em si mesmas, que fazem com que a pessoa deficiente seja estigmatizada pela sociedade. “No conjunto dos valores culturais que definem o indivíduo normal, estão incluídos padrões estéticos voltados para um corpo esculturalmente bem-formado. De certa forma, quem foge desses padrões agride a normalidade”, diz o sociólogo João Batista Cintra Ribas, autor do livro Quem são pessoas deficientes (Ed. Brasiliense). Isso significa que a distância que separa a mulher deficiente de uma não deficiente é maior do que aquela que distingue a mulher comum de uma Bruna Lombardi.

Mas engana-se quem pensa que as mulheres deficientes estejam escondidas em casa, longe do mundo e dos homens. Cada vez mais elas estão indo à luta, mesmo que não seja fácil nem agradável expor-se a julgamentos e preconceitos.

Embora a desinformação leve muitas pessoas a acreditar que mulheres deficientes não podem nem devem ser mães, a maioria delas – e aqui se incluem as que tem sequelas de poliomielite e mesmo casos de lesão medular – é capaz tanto de sentir prazer como de gerar e ter filhos, inclusive através de parto normal. Em sua tese de mestrado intitulada Reabilitação Sexual da Pessoa com Lesão Raquimedular, a Dra. Isabel Loureiro Maior, professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro, mostra que as contrações uterinas são automáticas e persistem sem a conexão neurológica. Assim, paraplégicas e tetraplégicas têm contrações absolutamente normais, mesmo que não percebam a ação uterina. “Mas esse problema pode ser sanado pelo exame médico a partir da 32ª semana de gestação”, esclarece.

Pensa-se ainda que deficientes terão, necessariamente, filhos portadores do mesmo tipo de deficiência, o que também não ocorre, exceto em alguns casos muito específicos.

Cada vez que uma pessoa é preterida apenas em razão da sua deficiência, desconsiderando-se sua personalidade e capacidade profissional, o que está ocorrendo, no fundo, é a repetição de atitudes ensinadas e aprendidas há milênios. Na Antiga Grécia, essas crianças eram vistas como seres sem alma e abandonadas para morrer. O Cristianismo considerou-as “um castigo mandado por Deus” e, portanto, dignas de pena. Mas mesmo quando a Medicina desmistificou esses conceitos, a deficiência continuou sendo encarada como uma desgraça a ser evitada, extirpada ou escondida.

Os meios de comunicação de massa e, antes deles, a literatura (vide corcunda de Notre Dame) sempre reforçaram essa ideia. Na televisão, cinema e propaganda, veicula-se a concepção de que para ser amada e feliz é imprescindível que a pessoa seja jovem, bonita, e, obviamente, não tenha nenhuma deficiência física, sensorial ou mental. Só muito recentemente têm surgido histórias onde a heroína paralítica não precisa sair andando, nem o mocinho cego precisa voltar a enxergar para se ter um “final feliz”. Filmes como Amargo RegressoUma Janela para o CéuGaby – Uma História Verdadeira pertencem a essa nova safra.

Mas a lição, segundo a qual para ter direito ao amor e à felicidade é preciso não ser deficiente, foi introjetada por milhares de pessoas, entre elas os próprios deficientes. A questão da autoestima e autoimagem passa, necessariamente, por uma via de mão dupla. Se a mulher deficiente não vê a si mesma como atraente e capaz de ser amada, provavelmente nenhum homem reconhecerá nela essas qualidades. Mas se, por outro lado, nenhum homem jamais a tiver olhado como mulher, é quase certo que ela não se acreditará com os mesmos direitos das outras.

Mas se não é agradável para uma pessoa ser rejeitada exclusivamente em razão da sua deficiência, o reverso da medalha, ou seja, ser escolhida por possuir um defeito, também pode ser aterrador. Fazer de conta que a deficiência não existe é outra atitude que, longe de ajudar, pode atrapalhar.

Quando tratamos um deficiente como se ele não o fosse estamos desrespeitando suas limitações. Se não é justo superestimar suas dificuldades, também não é correto subestimá-las. Tratar igualmente os desiguais não significa necessariamente fazer justiça. A deficiência, em si, não é ruim nem boa – trata-se apenas de aprender o melhor modo de conviver com ela. Nesse aprendizado, ingredientes como acreditar em si mesmo, olhar o mundo de frente, ver as pessoas em sua dimensão verdadeira e ir à luta sem medo são absolutamente essenciais.

*Jornalista, deficiente física, presidente do Centro de Vida Independente Araci Nallin.

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2 comentários:

  1. Eu não acho que seria mais feliz se andasse mas com certeza teria mais oportunidades de ter relacionamentos. Por mais que hoje seja comum conviver com pessoas com deficiência, na hora de te da um não bem dado no meio da cara, os homens não poupam esforços. Porque aos olhos de um homem, você não é mulher. Simples assim.

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    1. Gabi compartilho do seu pensamento, pois infelizmente os homens são muito visuais e não querem "cuidar" de uma cadeirante, mas acredito que estes não valem a pena ter como companheiros.
      Felizmente existe os que nos querem do jeito q somos e cuidam de nós com muito carinho. Basta ter paciência para encontrar a pessoa certa.

      Excluir

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