Eu
sou um ser planetário porque meu corpo faz parte do meio ambiente, mas não sou
pensada neste meio ambiente. A cada barreira arquitetônica, a cada adaptação
feita só para cumprir papéis, percebo o quanto tenho razão. Os valores sociais de uma cidade são refletidos
na sua arquitetura, portanto podemos interpretar, através dessa ideia, o total
desprezo que ela nos dá.
Vejo vagas para carros de motoristas deficientes
sendo ocupadas por aqueles a quem não é pertinente. Ouço os guardiões das
praças, logradouros e ruas justificando a falta de fiscalização, mas ao mesmo
tempo me advertindo por atrapalhar o estacionamento reservado para as motos,
mas tendo motos estacionadas nas vagas destinadas a mim. Vejo as guias
rebaixadas sempre longe da porta do motorista porque quem planeja essas obras
acredita que a pessoa com deficiência estará acompanhada por um motorista e não
que ela própria o seja. Vejo as portas dos comércios e departamentos públicos
com degraus intransponíveis para as rodas de uma cadeira. Vejo-me passar por
constantes constrangimentos quando preciso digitar a senha de acesso do cartão
de crédito e não poder alcançar a máquina que está colada bem acima de minha
cabeça – enquanto a fila quer andar sinto-me obrigada a burlar a segurança e
passar minha senha para terceiros.
Muitas
vezes não tenho o direito de usar os banheiros disponíveis nos estabelecimentos
porque estes não têm acesso para cadeirantes ou quando tem, é um
banheiro unisex, universalizado como se minha condição não me desse o direito
de ter meu próprio sexo. Vejo-me desapropriada do direito de estudar porque as
escolas não adaptam com competência suas dependências; as rampas não tem a
inclinação que me permita exercitar meu direito de ir e vir sozinha. Isso é
muito comum em todo órgão publico; a alma do sistema se sente lavada mesmo sem
haver disponibilizado adaptações que representem seus verdadeiros objetivos.
Vejo-me
invisível diante dos altos balcões de atendimento quando sequer sou enxergada e
ouvida pela atendente do outro lado. Vejo-me retida no direito de ser mãe
quando não posso socorrer meus filhos porque a segurança dos hospitais acredita
que duas vagas apertadas ou bem longe da entrada de acesso do pronto socorro
resolvem o problema de cumprir a lei de acessibilidade. Vejo o descaso de
bancos que tem vagas reservadas para motorista deficientes, mas não praticam
nenhum critério resguardando-as para quem realmente interessa.
Busco
apoio dos que compartilham das mesmas necessidades que eu e não encontro eco.
Será que sou a única cadeirante consumidora, cliente de banco, dona de casa,
mãe de família, estudante,
público, fã, espectadora, motorista, cristã, paciente, freguesa, eleitora? Cadê
todo mundo?
Gostaria
de dizer que o relevo de nossa cidade não nos impede o manifesto de nossa
cidadania e de nos comportarmos como agentes políticos e planetários que somos.
Fico
indignada mesmo é quando vejo sorrisos compreensivos ou palavras de
pseudo-apoio nessa minha jornada insólita, quando o que realmente falta é
competência, competência essa que possibilitaria a pessoa com deficiência fazer
parte da paisagem de cada cidade.
Fonte: Blog Deficiente Ciente
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