Emenda Constitucional nº 72 e a realidade das pessoas dependentes de cuidados domiciliares
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Artigo de Wiliam César Alves
Machado
Não é
nenhuma novidade a constatação de desastrosas incoerências partidas dos nossos
legisladores ante uma realidade social desconhecida e mal interpretada para sua
grande maioria, embora se pressuponha que os mesmos devam se mostrar inteirados
das principais demandas da população. Sem conhecer, tampouco se apresentar
disponíveis a compreender a realidade cotidiana de milhões de famílias brasileiras que enfrentam
desafios de cuidar dos seus idosos dependentes de ajuda sistemática, seja por
razões de limitações funcionais e/ou mobilidade reduzida, seja em decorrência
de perdas gradativas da memória própria das síndromes demenciais, mudaram
drasticamente a ordem das relações entre cuidadores domiciliares e empregador
pessoa física, equiparando-a às relações entre empregado e empregador de
empresa com fins lucrativos.
Ignoraram
a árdua realidade da vida cotidiana de mães e pais de crianças com seqüelas de
lesão cerebral, paralisia cerebral e doenças neurológicas degenerativas, que
buscavam na contratação de cuidadores formais de pessoas com deficiência adquirir confiança para dividir tarefas e
amenizar o desgaste físico e emocional a que ficam expostos no dia a dia. Profissionais
até então remunerados de acordo com regras viáveis ao alcance de poucos, agora,
inacessíveis a muitos ou quase todos.
Não se
pode comparar uma pessoa com deficiência severa a
uma máquina que se desliga a vontade do seu operador. Da mesma forma, esperar
que sua dependência de cuidados siga a cronologia dos relógios de ponto.
Ao que
tudo indica teremos uma avalanche de idosos e pessoas com deficiência severa
caminhando na contramão do recomendado pelas Conferências Nacionais dos
Direitos dos Idosos e pelas Conferências Nacionais dos Direitos das Pessoas com
Deficiência, rumo à única opção que lhes resta “Viver excluídos e trancafiados
em instituições de longa permanência”. Triste preço a pagar pela ignorância dos nossos
legisladores. Políticos preocupados exclusivamente em fazer média com
trabalhadores domésticos, colocando em ombros alheios ônus de seus devaneios.
Fonte: Rede SACI
São no
mínimo inconsequentes as regras propostas na Emenda Constitucional nº 72,
também conhecida como PEC das empregadas domésticas, pois inviabilizam a
sobrevida com dignidade de milhões de pessoas com deficiência física, mental,
visual, auditiva e psicossocial severa, uma vez que estes dependem de atenção e
cuidados sistemáticos de cuidadores membros das próprias famílias(mães, pais,
irmãos, avôs, avós, etc), ou da contratação de cuidador formal para exercer
tais atividades remuneradas. Arranjos no orçamento doméstico para manter seus entes
familiares com deficiência severa, em condições dignas de apresentação e imagem
corporal compatíveis com padrões civilizados.
Evidente
que não se pode cronometrar a eliminação intestinal ou urinária de pessoas com
lesão medular severa, para que ocorra no decorrer das 8 horas diárias de
prestação de cuidados do cuidador formal. Caso aconteça fora desse parâmetro
cronológico, essa pessoa terá de ficar esperando receber cuidados até chegar o
horário de o cuidador assumir sua jornada de trabalho, mesmo que more no local
de trabalho? Eventuais ajudas para se locomover, alimentar, deitar, cobrir,
trocar de roupa, mudar de posição na cama, serão computadas como hora extra?
Concordamos
se tratar de reparação histórica de direitos igualitários dos trabalhadores
domésticos com equiparação aos demais trabalhadores de outros setores da
economia. O que questionamos são as razões para que tal dívida moral caia como
bomba devastadora da sobrevivência com dignidade de milhões cidadãos que trazem
as mesmas marcas de exclusão social, como idosos e pessoas com deficiência.
Nossos
legisladores deveriam ao menos ter a humildade de analisar a diversidade de
situações vivenciadas pela população brasileira. Afinal, dados do Censo 2010
apontaram para o crescente envelhecimento da população, sinalizando claramente
a necessidade de investir em cursos de cuidadores de idosos. Considerar que o
aumento na participação da população de 65 anos ou mais, no período 1960/2010,
saltou de 2,7% para 7,4%. Que 45.606.048 pessoas afirmaram apresentar pelo
menos um tipo de deficiência.
O que
buscamos compreender é de que forma o Estado intercederá nesse controverso jogo
político. Sem o estabelecimento de política pública para pagar a conta do
estrago feito pelos legisladores, o que se anuncia é o desemprego maciço dos
cuidadores domiciliares e uma demanda inimaginável de idosos e pessoas com
deficiência severa a busca de vagas em instituições de longa permanência. Um
retrocesso histórico da inclusão.
Fonte: Rede SACI
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