Relação entre a imagem corporal e deficiência física. Uma pesquisa bibliográfica
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Caro leitor,
O artigo abaixo foi extraído do site efeportes. O texto foi
escrito pelos pesquisadores Prof. Ms. Maria Luiza Tanure Alves* e Prof.
Dr. Edison Duarte**.
RESUMO
As pessoas com deficiência física apresentam uma
interrupção brusca no processo de desenvolvimento da imagem corporal. Esta
sofre grandes mudanças, necessitando de adaptações. Nosso estudo consistiu na
realização de um levantamento bibliográfico sobre o tema, no período de 1990 a
2003, com a respectiva análise e interpretação dos resultados, através da
estruturação de fichamentos com as principais idéias de cada autor. Nosso
objetivo nesse estudo foi compilar e analisar os principais trabalhos sobre o
tema, servindo como subsidio para os profissionais de educação física ou outros
que atuam ou venham a atuar com essa população. A deficiência física causa uma
mudança perceptual no corpo do indivíduo que, aliada a mudanças em suas
relações sociais, modifica sua imagem corporal. A deficiência traz para a
pessoa sentimentos depreciativos com relação ao seu próprio corpo, acarretando
modificações no modo como este percebe e interage com os outros e o mundo.
INTRODUÇÃO
De acordo com a literatura específica observa-se que a
construção da imagem corporal é um processo contínuo e dinâmico presente em
toda vida. É com ela que a pessoa se apresenta e interage com o mundo e com os
outros. Na sua construção estão envolvidos vários aspectos (fisiológicos,
afetivos, sociais) que a todo o momento estão interagindo entre si, por isso a
necessidade de analisá-la na sua forma ampla e não restringindo-a a apenas um
de seus aspectos. Seu desenvolvimento se dá a partir das interações sociais
estabelecidas durante toda a vida, refletindo a história de um corpo, suas
vivências e seu caráter único. Entende-se por imagem corporal a representação
mental do corpo próprio (Schilder, 1994).
As relações sociais construídas exercem um papel fundamental
durante o desenvolvimento da imagem corporal. As percepções e sentimentos que
nossos contatos sociais nos proporcionam modificam o modo como nos vemos. As
alterações que ocorrem no corpo por doenças, agravos ou outros distúrbios,
comprometem a imagem corporal. As modificações na percepção corporal decorrente
de alterações físicas ou psicológicas causam modificações na imagem corporal,
alterando a auto-imagem e as interações com o meio e com os outros. A
deficiência física caracteriza-se principalmente pela perda de motricidade e
sensibilidade nas partes do corpo localizadas abaixo do nível lesionado. Aliada
a essas limitações, dependendo do tipo de deficiência física presente pode
haver complicações no estado de saúde da pessoa que vão desde disfunções
vesicais e sexuais até a formação de úlceras de pressão. Estas alterações
corporais modificam completamente a maneira como o deficiente encara e utiliza
seu corpo durante suas tarefas cotidianas e em suas relações sociais.
A deficiência física adquirida (decorrente depois do
nascimento) causa uma mudança abrupta na imagem corporal do deficiente físico.
Ele se vê de um dia para o outro, com a imagem corporal alterada, e em vista
disso precisa reestruturá-la. O seu processo de desenvolvimento inclui tarefas
difíceis como a de incorporar a cadeira de rodas a sua imagem e a tarefa de
aprender a interagir com as imagens corporais de pessoas que não possuem
deficiência física. Sua construção deve respeitar essa nova condição.
A pessoa com deficiência física durante seu processo de
reabilitação tem a tarefa de redescobrir seu corpo. Esse processo de
redescobertas inclui a vivência de suas limitações e o conhecimento de novas
capacidades, sendo necessário a aceitação dessas condições pelo mesmo para que
assim ele consiga se reestruturar para o retorno ao convívio familiar e social.
O estudo da imagem corporal pelos profissionais da área de
educação física e outros traz uma mudança da perspectiva em relação à pessoa
com deficiência. Ampliamos nossa capacidade de entendê-los e de entrar em
contato, possibilita-nos um trabalho capaz de fornecer um “reconhecimento” da
imagem corporal em sua nova condição. Auxilia-nos na valorização das diferenças
e reconhecimento da singularidade de cada ser. Para tanto, o termo deficiência
corresponde a “qualquer restrição ou perda na execução de uma atividade,
resultante de um impedimento, na forma ou dentro dos limites considerados como
normais para o ser humano” (Cidade, 2002).
Nosso objetivo com este trabalho foi o de agregar o maior
número possível de informações da literatura científica, sendo estes artigos,
teses, dissertações e livros, sobre imagem corporal em pessoas com deficiência
física, servindo assim como subsídio para os profissionais da área de educação
física e outros que trabalhem com esta população.
Esta pesquisa foi financiada pelo PIBIC/CNPQ.
MATERIAL E MÉTODOS
Segundo Turtelli (2003) o presente estudo corresponde a
análise e interpretação de dados obtidos em pesquisa do tipo bibliográfica. Desta
forma, a base desta pesquisa consistiu no estudo de livros, artigos
especializados, dissertações e teses, o que possibilitou o acesso e manipulação
de informações relevantes para reflexão sobre as relações entre imagem corporal
e deficiência física.
O levantamento bibliográfico foi realizado em bases de dados
disponíveis via internet. Restringimos o período de levantamento bibliográfico
dos livros, dissertações, teses e artigos em periódicos de 1990 a 2003. Este
período é considerado de grande relevância já que corresponde ao aumento do
interesse da comunidade científica sobre o tema, bem como é capaz de
proporcionar uma visão dos trabalhos atuais desenvolvidos. Anteriormente a este
período selecionamos apenas os trabalhos dos autores mais relevantes para o
tema de nossa pesquisa. Ao todo foram pesquisados 5 bases de dados digitais a)
Bases de dados da ERL – WebSpirs; b) Bases de dados da bireme; c) Base de dados
Dedalus; d) Base de dados Acervus; e) Base de dados Athena.
A busca bibliográfica nas bases de dados citadas foi
realizada nos computadores das bibliotecas setoriais da Universidade Estadual
de Campinas – Unicamp. A base de dados WebSpirs é acessível apenas para
pesquisadores e instituições conveniados, enquanto as bases Bireme, Dedalus,
Acervus e Athena são de acesso livre.
Os materiais bibliográficos selecionados foram adquiridos nas
bibliotecas setoriais da Unicamp. Os artigos selecionados não encontrados nas
bibliotecas da Unicamp foram pedidos a outras universidades brasileiras, pelo
sistema COMUT.
A pesquisa foi realizada em todas as bases de dados por
assunto. Foram utilizadas como palavras-chaves “Imagem corporal”, “deficiente
físico”, “lesões da medula espinhal” e “paraplegia”. Os cruzamentos das
palavras-chaves foram empregados de acordo com a necessidade de língua
portuguesa ou inglesa pela base de dados.
Após o levantamento bibliográfico o material foi estudado
através da realização de fichamentos, que objetivavam abranger todas as
informações relevantes para o estudo da imagem corporal em relação à
deficiência física, bem como sínteses das principais idéias de cada texto
pesquisado. A elaboração dos fichamentos com as principais idéias de cada texto
objetivou uma posterior correlação entre os diversos autores. O cruzamento dos
resultados e conclusões apresentados por cada estudo possibilitou uma visão abrangente
sobre os caminhos que as pesquisas sobre imagem corporal e deficiência física
vêm seguindo. Assim, pode-se observar os pontos falhos sobre o assunto e também
novos questionamentos para possíveis estudos futuros. A seguir serão exibidas
as principais idéias defendidas pelos autores selecionados, a correlação entre
os mesmos, seus métodos utilizados, bem como seus pontos falhos.
RESULTADOS
A primeira busca de trabalhos realizada resultou em um
pequeno número de trabalhos. Ao todo foram encontrados 68 estudos sobre o tema.
No entanto, apenas alguns desses trabalhos encontrados realmente tratavam do
tema. A maioria dos estudos trazidos relacionam-se com outros temas referentes
à deficiência física, temas estes que não dizem respeito à imagem corporal da pessoa
com deficiência física, apesar de apresentarem o termo imagem corporal em seus
resumos. Um outro motivo que podemos citar para que alguns dos trabalhos fossem
descartados é a sua não inclusão no período determinado de 1990-2003. Vale
ressaltar que foi realizada a leitura de trabalhos anteriores a esse período de
autores relevantes para o tema de nossa pesquisa. Como critérios de seleção dos
trabalhos utilizamos a presença das palavras–chaves escolhidas no resumo.
A escassez de resultados alcançados durante esse primeiro
levantamento nos impeliu a realizar uma nova pesquisa bibliográfica. Esta foi
realizado através da análise das referências bibliográficas apresentadas nos
trabalhos selecionados pela busca nas bases de dados via internet. A análise dessas
referências nos trouxe um número maior de artigos, dissertações e teses, que
possibilitou uma visão ampla sobre o tema.
Observa-se que as pesquisas realizadas na área nos revelaram
a existência de muitas lacunas a serem preenchidas. Este é um tema pouco
estudado e na maioria das vezes é associado com a análise dos aspectos
psicológicos e as reações emocionais apresentadas pela pessoa com deficiência
física, limitando-se à compreensão de aspectos como a auto-estima,
autoconceito, entre outros.
De acordo com Santana (2003), autoconceito corresponde a
percepção que a pessoa tem a seu respeito, sendo esta um processo psicológico e
uma variável importante para o comportamento do mesmo. Com relação à
auto-estima, esta diz respeito à forma como nos sentimos a cerca de nós mesmos
e nossas reações aos eventos do cotidiano. A auto-estima é determinada pelo
autoconceito, podendo ser considerada como seu componente avaliador. Assim,
observa-se a estruturação de um entendimento sobre a imagem corporal do
paraplégico associada com a elucidação dos fatores envolvidos na auto percepção
de sua condição e também em suas reações psicológicas ao trauma.
O tema imagem corporal, em um grande número de pesquisas, é
mencionado de forma indireta, sendo empregado como sinônimo dos termos
“autoconceito”, “auto-imagem” e “auto percepção”. Nota-se a ausência de um
consenso sobre o conceito de imagem corporal. São empregados conceitos sobre o
tema de diversos autores, porém autores como Schilder (1994) não são
mencionados. A menção do conceito de imagem corporal de Schilder (1994)
apresenta-se de suma importância para pesquisadores que almejam estudar o tema,
visto que o autor apresenta-se como referência internacional sobre o tema. Seu
trabalho é considerado um clássico servindo de subsídio para demais pesquisas
realizadas.
DISCUSSÃO
Segundo French e Phillips (1991), através de um trabalho de
revisão de literatura, relata que as alterações na imagem corporal do lesado
medular tem início com a devastação e interferência em seus planos para o
futuro. Assim, a deficiência física acarreta para a pessoa uma série de
mudanças sociais, físicas e psicológicas que alterarão o modo como o deficiente
vê o seu corpo. A deficiência traz para o indivíduo um novo corpo, com novas
habilidades, capacidades e limitações. Assim há a necessidade do
estabelecimento de um processo de reconhecimento desse novo corpo.
Fischer e Cleveland (1958 apud Shontz, 1990) afirmam que as
experiências corporais têm como função principal nos fornecer um limite pessoal
que separe o eu, como entidade psicológica interna, do mundo externo. Assim
Shontz (1990) descreve que nossas experiências corporais tem 7 funções, sendo
realizadas em 4 níveis. As funções de nossas experiências corporais são:
Registro sensorial e processador de informações sensoriais,
sendo essencial para todas as percepções, aprendizagem e memórias;
Instrumento para a ação;
Fonte de necessidades, tendências e reflexos;
Estímulo para o self; onde o termo “self” significa por si
próprio, de si mesmo. (SANTANA, 2003)
Estimulo social;
Instrumento de expressão;
Mundo privado.
As experiências corporais têm como objetivo atender cada uma
das funções citadas e estas podem estar dentre os seguintes níveis (podem estar
relacionadas com mais de um nível):
1. Esquema Corporal
Este nível de experiência corporal está relacionado com a
percepção do corpo como um objeto no espaço. Assim a percepção neste nível
possibilita informações sobre a localização de estímulos na superfície corporal
e a localização das partes do corpo no espaço. Também nos informa experiências
agradáveis e desagradáveis.
2. Eu corporal
Aqui as experiências são elaborações do esquema corporal. Em
sua maioria elas estão relacionadas com a identidade da pessoa, onde ela
estabelece julgamentos, como bom ou mal, desejável ou indesejável e moral ou
imoral, entre as variadas experiências vivenciadas.
3. Corpo fantasiado
Neste nível temos as representações corporais. Temos aqui as
variadas imagens que fazemos de nosso corpo, como nas experiências que
vivenciadas pelo corpo como uma máquina ou um animal.
4. Conceito corporal
Este nível relaciona-se com o conhecimento que estruturado
sobre o corpo. Sendo este adquirido em sua maior parte através da educação
recebida que de experiências diretas. Este conhecimento é expresso em desenhos,
descrições de partes e funções do corpo, entre outros.
Com a deficiência física a pessoa pode apresentar algumas
tendências comportamentais, porém estas não podem ser homogeneizadas para
todos. Para Rosillo e Fogel (1971, apud Beeken, 1978), além das alterações nas
experiências corporais, são vários os fatores que influenciam no modo como esse
indivíduo irá adaptar-se à lesão. Os principais fatores envolvidos são a
aparência física (principalmente nas mulheres), a vergonha, o conflito de
valores com as pessoas próximas importantes, e a importância delegada ao
funcionamento físico. Como se pode observar, todos esses fatores estão
relacionados com níveis e funções da experiência corporal já mencionados. Assim
notamos que a vivência corporal, ou seja, a experienciação do próprio corpo é
essencial para a manutenção de uma imagem corporal de qualidade.
Beeken (1978), através de pesquisa do tipo revisão de
literatura, descreve que as lesões medulares causam as grandes distorções na
imagem corporal, já que a pessoa não incorpora as mudanças advindas com a
deficiência de forma gradual. O modo como cada lesado medular irá responder e
reestruturar-se frente a essas alterações variam de acordo com alguns fatores.
Dentre eles está a imagem corporal anterior ao trauma, sendo esta fundamental
para a estruturação do conhecimento sobre esse novo corpo.
Um outro ponto importante no processo de reestruturação da
imagem corporal da pessoa com deficiência física diz respeito à cultura em que
este está inserido. De acordo com o trabalho de revisão bibliográfica realizado
por Saravanan et al (2001), os valores e conceitos relacionados à deficiência
física estabelecidos pela cultura de uma sociedade influenciam sobremaneira o
modo como o lesado medular irá reagir a essa condição. No entanto, devemos
entender que os valores impostos por uma sociedade apenas influenciam nesse
complexo processo de reconstrução da imagem corporal, não estabelecendo reações
ou comportamentos rígidos para todas as pessoas.
Para o autor, a cultura ao qual a pessoa com deficiência
física está inserida será responsável pelos julgamentos, as expectativas
apresentadas frente ao tratamento, a aceitação as terapias propostas e a
presença ou ausência de alguns comportamentos. Cada cultura estabelece
significados diferentes para a deficiência física, interferindo no modo cada um
a encara. Sendo assim, a pessoa com deficiência física terá como eixo esse
conceitos e valores para a estruturação do seu novo eu, de sua nova identidade.
Segundo Montanari (1998), a instituição de reabilitação
freqüentada pela pessoa com deficiência física também é grande responsável pelo
estabelecimento dos valores e conceitos atribuídos à deficiência. Esses
parâmetros valorativos, assim como os estabelecidos pela cultura social,
atuariam modificando não só a identidade social, mas também as relações sociais
que esse indivíduo participa. Esses valores e conceitos exprimem a forma como a
instituição de reabilitação vê a desigualdade e a diferença. A autora realizou
seu trabalho através de entrevistas semi-estruturadas, a partir de roteiro
temático para direcionamento dos depoimentos, em um grupo de jovens com
deficiência física. Seu objetivo foi o de analisar a identidade social do jovem
deficiente, bem como identificar sua percepção corporal e o lugar da
reabilitação na sua vida.
Bracken, Shepard e Webb (1981), descrevem que a personalidade
anterior ao trauma também exerce uma grande influência nas reações apresentadas
frente à deficiência. Nesse sentido devemos compreender que este aspecto
estaria relacionado com o significado que cada pessoa carrega sobre o seu corpo.
Os sentimentos estabelecidos com o corpo certamente influenciam nas reações da
pessoa frente a um trauma corporal.
Os autores realizaram o trabalho através da coleta de dados
médicos dos sujeitos desde sua primeira hospitalização, bem como pela realização
de entrevistas com os médicos responsáveis, fisioterapeutas, enfermeiros, e
todos os outros profissionais envolvidos no processo de reabilitação do lesado
medular. Também foram realizadas entrevistas com o lesado medular com objetivo
de obter informações sobre seu estado psicológico e sua condição
sócio-demográfica. Para a realização das entrevistas foi utilizado um
questionário validado desenvolvido particularmente para o estudo.
De maneira geral podemos observa-se que todos os aspectos que
influenciam a forma como cada um encara o trauma estão relacionados com as
funções e níveis da experiência corporal citados por Shontz (1990). Assim são
as alterações na experiência corporal que norteiam o processo de reestruturação
do novo eu.
A importância delegada para cada uma das funções da
experiência corporal influencia nesse processo. O modo como a pessoa com
deficiência física incorpora sua nova condição é único, dependente dos valores
e conceitos formados durante sua história de vida. Porém, a pessoa com deficiência
física pode, durante esse processo, apresentar algumas tendências
comportamentais em comum. Entre essas temos a depressão e ansiedade. (BEEKEN,
1978) Nesse sentido compreende-se depressão como um episódio onde a pessoa
encontra-se com humor diminuído, redução da energia e diminuição nas
atividades. Sua capacidade de diversão, interesse e concentração encontra-se
reduzida, bem como é comum a queixa de cansaço após qualquer esforço mínimo.
Com relação à ansiedade esta diz respeito a sintomas variáveis, mas que em
geral incluem nervosismo persistente, tensão muscular, palpitações, entre
outros. (CID-10, 1992)
Encontra-se também distorções nos julgamentos das distâncias
entre as diversas partes do corpo. Como conseqüência desses comportamentos
temos baixo níveis de autoconceito e auto-estima. No entanto, a observação de
tais características pode estar associada com episódios de dor e na maioria dos
casos está intimamente vinculada com o nível de contato social que o deficiente
físico apresenta. A pessoa com deficiência física que participa ativamente de
relações sociais, sejam estas familiares, profissionais e amorosas,
dificilmente apresentam os aspectos mencionados. Nesse sentido, a presença e
participação de uma parceira ou parceiro durante o processo de reabilitação
parece ter grande relevância. O apoio social recebido pelo deficiente é de
grande importância para a reconstrução de sua identidade (Beeken, 1978).
A presença de tais características tem sido mencionadas como
integrantes de um processo de reabilitação do deficiente constituído por 4
estágios comportamentais. Estas correspondem à fase de choque, negação,
reconhecimento e adaptação. A fase de choque tem lugar logo após os primeiros
cuidados médicos após a deficiência física e corresponde a um estado de
confusão onde o paciente não consegue perceber a magnitude do acontecido. Nesta
fase a pessoa interrompe seu vínculo com o mundo exterior, numa tentativa
inconsciente de proteger sua imagem corporal, mantendo-a integra.
Na fase de negação, a pessoa começa a perceber sua condição,
porém de forma distorcida com tendência a negar sua lesão. Costuma agir de
forma passiva aos tratamentos e indicações médicas. Com relação à fase de
reconhecimento, nesta a pessoa começa a tomar consciência da sua real situação,
porém devido a essa conscientização podem ocorrer episódios de depressão frente
às grandes mudanças ocorridas. É nessa fase que a pessoa com deficiência física
começa a experimentar as mudanças da sua própria imagem. Já na fase de
adaptação, o mesmo começa a agir ativamente em seu processo de reabilitação, e
sente-se recompensado por isso. Também começa a reconhecer os benefícios do
processo de reabilitação.
A ocorrência de tais comportamentos é considerada normal
pelos autores defensores de tal teoria, porém a reabilitação do deficiente
associada à presença de tais estágios tem sido bastante desacreditada. Isto
ocorre porque a abordagem do processo de reabilitação da pessoa com deficiência
física em fases pré-estabelecidas e com caráter rígido não possibilita o
reconhecimento das necessidades individuais. Assim, tais estágios
impossibilitam que o deficiente vivencie seu corpo como único e que também seja
encarado pelos profissionais envolvidos nesse processo como ser único com suas
própria reações e emoções (GALVIN e GODFREY, 2001).
Para Shontz (1990), as reações negativas com relação ao
trauma não podem ser generalizadas, ou seja, o impacto da deficiência não é
sempre negativo. A pessoa com deficiência física pode encarar a deficiência
como algo positivo em sua vida. Gorman, Kennedy e Hamilton (1998), afirmam que
estes podem descrever-se como sendo mais compreensivos e populares. A presença
de sentimentos positivos colabora para que o deficiente apresente uma boa
imagem corporal de si mesmo, aliada à presença de bons níveis de autoconceito e
auto-estima.
CONCLUSÃO
A escassez de estudos nessa área demonstra as grandes lacunas
que ainda precisam ser solucionadas. A leitura dos trabalhos selecionados
aponta, a partir de uma visão abrangente sobre a atual situação das pesquisas
nesse campo, alguns questionamentos importantes para o entendimento da imagem
corporal da pessoa com deficiência física. Nesse sentido, ainda são necessários
estudos relacionados com métodos avaliativos da imagem corporal de deficientes
físicos, estudos interessados em pesquisar a forma como o deficiente constrói
sua imagem corporal com a ausência de sensações e percepções das partes
localizadas abaixo do nível lesionado, entre outros.
A deficiência física não traz para o deficiente uma imagem
corporal característica. Com a lesão a pessoa precisa vivenciar suas perdas
dentro dos aspectos cognitivos, emocionais e comportamentais. Há a necessidade
da experienciação das alterações no funcionamento orgânico assim como suas
conseqüências para as variadas atividades cotidianas. Será apenas com a
vivência de seu corpo que o deficiente poderá estruturar sua nova identidade. O
modo como o trauma irá afetar sua imagem corporal está intimamente relacionado
com o prejuízo causado nos níveis e funções da experiência corporal. Os valores
e conceitos sobre o seu corpo e seu funcionamento trazidos pela pessoa
interferem sobremaneira o modo como a pessoa irá reconstruir sua imagem
corporal. Sendo assim, a personalidade e a imagem corporal anterior ao trauma
exercem um papel relevante nesse processo.
De forma geral, será o prejuízo causado na capacidade do
corpo em atender as funções da experiência corporal que irão causar os maiores
impactos para a reconstrução e desenvolvimento da imagem corporal da pessoa com
deficiência física. Este precisa vivenciar suas perdas de modo equilibrado para
que assim não desenvolva comportamentos prejudiciais para o seu convívio em
sociedade e para a execução de suas atividades básicas.
Além dos profissionais de saúde envolvidos no processo de
reabilitação, é importante que o profissional de educação física também tenha
um entendimento sobre este tema. Essa compreensão possibilita que esse
profissional proporcione para seus alunos lesados medulares experiências
positivas capazes de promover um ‘reconhecimento dessa imagem corporal em sua
nova condição. As atividades propostas devem possibilitar experiências para o
deficiente onde ele possa descobrir as formas como o seu novo corpo poderá
atender as necessidades de suas experiências corporais.
*Doutoranda em Atividade Física Adaptada Mestrado em
Atividade Física, Adaptação e Saúde pela Faculdade de Educação Física –
UNICAMP
**Graduação em Fisioterapia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (1976) Mestrado em Biologia e Patologia Buco Dental pela Universidade Estadual de Campinas (1984) Doutorado em Anatomia Humana pela Universidade de São Paulo (1988) Atualmente é professor associado da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP
**Graduação em Fisioterapia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (1976) Mestrado em Biologia e Patologia Buco Dental pela Universidade Estadual de Campinas (1984) Doutorado em Anatomia Humana pela Universidade de São Paulo (1988) Atualmente é professor associado da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP
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Fonte: Deficiente Ciente
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